domingo, 31 de outubro de 2004

Outubro

Desde algum tempo eu tenho parado para refletir, em cada final de mês, sobre as coisas mais importantes que ele me trouxe. E costumo me recordar de fatos marcantes, o que sempre é motivo para louvar a Deus por seu amor grandioso. Mas desde a semana passada não encontro algo no mês de outubro que me fale particularmente à alma. Nenhuma lembrança em especial, nada digno de nota. E isso me preocupou! Resolvi então conferir os dias comemorativos. Dia das crianças? Meus pais me educaram de modo a percebe-lo como simples apelo comercial. Eleições? A política só me interessa como ciência. Aniversários? Dizem respeito aos aniversariantes apenas. Fui então a um site americano e descobri outras datas comemorativas interessantes. O dia 29, por exemplo, é o dia do Frankenstein. Dia 13 comemora-se o dia de trazer seu ursinho de pelúcia para o trabalho. Mas o que mais me chamou atenção foi o dia doze: o dia internacional do momento de gritar a sua frustração.

Com esse último eu me identifiquei logo, já que depois de tanta pesquisa não consegui achar ainda algo especial para falar sobre o mês de outubro. E descobri que esta frustração mesma pode ser a marca de outubro. É neste mês que a gente começa a se dar conta que o ano está acabando (já??!!), e que aquela lista de sonhos e resoluções de ano novo ainda está longe de ser totalmente cumprida. Se esta também é sua relação com outubro gostaria de lhe propor que criemos, nós mesmos, nossos dias comemorativos para outubro. Eles não vão necessariamente te fazer folgar no trabalho ou ganhar presentes, mas podem assumir o mesmo significado bíblico das celebrações: lembrar de Deus.

Podemos fazer isso de muitas maneiras. Pode-se, por exemplo, instituir o dia de levar flores para a amada, e lembrar como Deus dirigiu seu caminho até ela. Ou criar o dia de fazer cafuné do seu amado, e aproveitar pra contar a ele como Deus tem o usado para faze-la crescer em muitos sentidos. A sua criatividade é que fará outubro, novembro ou dezembro meses realmente especiais. Pode ser através do dia de levar os filhos para o seu trabalho (eu adorava quando meu pai fazia isso!), dia de cumprir uma promessa, dia de dizer a cinco pessoas que vocês as ama, dia de se dar um presente, dia de lavar as meias do seu cônjuge, dia de visitar um velho amigo, dia de encontrar dez características boas na sua igreja. A única regra é que em tudo você possa lembrar de uma faceta do amor de Deus por você.

Na Bíblia, especialmente no Antigo Testamento, encontramos o povo de Deus comemorando muitas datas especiais. Havia festas, como a da Colheita, da páscoa, dos tabernáculos, da lua nova, das trombetas, dos pães asmos. Havia o Dia da Expiação, o Purim, alguns sábados separados. E eles ainda construíam altares e memoriais por diversos lugares onde tinham sentido a atuação de Deus. O cerne de todos esses rituais era relembrar ações específicas do Senhor, e assim fortificar seu relacionamento com Ele para manter uma perspectiva correta de vida (Êxodo 12:14). Recordar quem é o Deus em quem temos crido e o que Ele tem feito em nossas vidas é uma atividade curativa, transformadora, de conversão. Qualquer dia em que paremos para agradecer ao nosso Criador e Mantenedor por sua misericórdia, e pela maneira como tem nos guiado e instruído ao longo da vida, é um dia especial, digno de nota, motivo para memória, pretexto pra festa (Filipenses 2:1 e 2). Dessa forma, todos os dias, todas as pessoas, lugares e situações acabarão por nos falar muito ao espírito, e em tudo dirão que Deus é amor.

Uma semana iluminada!
Luciana

segunda-feira, 25 de outubro de 2004

Uma conversa sobre árvores

Antes de falecer, minha sogra plantou um pé de jambo no jardim. E desde que compreendi que iria morar na casa que foi dela, o pé de jambo me pareceu uma das suas melhores idéias. Depois que ela se foi cobriram tudo de cimento, as plantinhas que ela tanto amava foram desaparecendo aos poucos. Mas o pé de jambo, por causa da copa frondosa que refresca a casa, foi poupado da praticidade urbana, que põe tijolo, lajota, telha e alvenaria em cada centímetro de espaço habitável (?). Plantei umas flores bem simples embaixo do pé de jambo, só para colorir mais aquele cinza todo, e me resignei esperando o momento de poder aumentar o jardim. Enquanto isso, eu e meu marido deitamos e ficamos olhando pela janela do quarto para a copa da grande árvore tendo o céu como pano de fundo azul, procurando ninhos nos galhos, vendo vôos de passarinhos e imaginando vôos da gente, fingindo estar deitados num gramado a perder de vista, sentindo a mesma brisa que balança suas folhas embalar-nos também.

Acontece que há algumas semanas as folhas do pé de jambo começaram a cair de uma forma anormal. Tomei um susto ao perceber que elas todas estavam amarelando e ao menor toque do vento vinham ao chão aos montes. Quando eu terminava de varrer, já haviam centenas caídas novamente. Os galhos entristecidos não me deixaram dúvidas: “o pé de jambo está morrendo!”. Fiquei atônita, e regava, adubava sem obter resultado. As folhas formavam um tapete denso a despeito de todos os meus esforços. Só meu marido parecia alheio, guardando um conhecimento que o fazia sorrir superior. “Mas está morrendo!!”, eu insistia. Para ao final descobrir que o pé de jambo estava apenas passando por sua “desfolhagem” anual, uma época em que todas as folhas caem para dar lugar a novas e mais verdes folhas, a suculentos e estonteantes frutos. Não, o pé de jambo não morria, ao contrário, ele estava pronto para anunciar com mais força a vida!

As árvores costumam dar esse tipo de lição em quem não as conhece bem. Quem passa uma vez pela caatinga nordestina em época de seca nem pode imaginar a paisagem verde-vivificante que brota do nada na primeira chuvinha. Olhando a grama seca de Brasília, nenhum passante pode prever que ela renascerá à volta da umidade. Até minha mãe, mais acostumada aos segredos do verde, levou lições de um pé de graviola que cresceu em seu quintal. Todos os anos uma praga de besouros cobria os galhos do pé de graviola de larvas brancas e pegajosas, que não faziam mal nenhum além de enfeiarem a planta, mas minha mãe, com medo que elas contaminassem as outras fruteiras, podava a árvore infectada até deixar-lhe o tronco nu. A gente olhava com pena, lamentando a morte do pé de graviola... mas dentro em pouco aparecia uma folhinha, e mais outra, e ele renascia vigoroso, insistente e com um risinho farfalhante.

Nem todo mundo entende a sabedoria da vida que há nas árvores. E há quem as ache até incômodas, podam, cortam, eliminam, cobrem tudo com concreto e dizem que é melhor assim. Mas as árvores resistem, desafiam à poda, renascem, renovam-se; vivem ainda. Por isso Aquele que mais entende de vida deixou para nós algo da sabedoria das árvores. O evangelho de Lucas 13: 6 – 9 registra a seguinte parábola: “Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha; e indo procurar fruto nela, e não o achou. Disse então ao viticultor: Eis que há três anos venho procurar fruto nesta figueira, e não o acho; corta-a; para que ocupa ela ainda a terra inutilmente? Respondeu-lhe ele: Senhor, deixa-a este ano ainda, até que eu cave em derredor, e lhe deite estrume; e se no futuro der fruto, bem; mas, se não, cortá-la-ás.”

E aí vemos explícita a primeira e afável verdade: Cristo nunca desiste de nós. Nós sim, estamos acostumados a cortar de pronto tudo que já não nos seja estritamente conveniente. Fazemos isso com árvores, com roupas, com papéis, com lembranças, com sentimentos, com amigos, até mesmo com irmãos, até com nosso bom Pai celestial. Tudo é descartável. O amor humano parece seguir a mesma seletividade da memória, que só guarda aquilo que lhe aprouve julgar útil e imediato. Felizmente Deus não é assim, e mesmo quando todos ao redor desistem de nós, mesmo quando nós mesmos achamos já não haver uma réstia de sentido para continuar, para acreditar nEle, Ele continua acreditando em nós. Foi assim desde os primórdios, é assim até hoje. Um ser humano em que não se vêem frutos aparentes, aquele que não pode em dado momento servir aos que lhe rodeiam com o que querem dele, logo faz nascer a sentença: “por que ocupa a terra inutilmente? Vamos corta-lo, tira-lo de nosso convívio, afasta-lo de nossa visão. Já nos ocupamos tanto tempo dele sem que conseguíssemos usufruir algo! Em breve morrerá mesmo. As pragas hão de cair sobre ele e se não o cortarmos há de contaminar outros...”. O paladar não lembra mais o gosto doce dos frutos colhidos na figueira há alguns verões atrás. Então poda! Corta! Destrói! Elimina! Não serve mais!

Deus se aproxima com o cuidado de quem entende todos os potenciais de vida. Chega com o cuidado necessário: “Deixe que eu limpe, alimente, fortifique, deixe que eu trabalhe nessa vida para que ela volte a produzir os frutos do Espírito”. Não se trata apenas de dar mais uma chance, é se achegar decidido a amar, sem espaços para hipocrisia ou ganas de superioridade. Deus nos respeita ainda que estejamos todos tão longe de dar-Lhe o que pede de nós: “o coração” (Provérbios 23:26). Onde o mundo inteiro vê inúteis galhos secos, desfolhados, cobertos de praga, Ele vê a possibilidade pulsante de vida em abundância. Aposta nisso. E para tanto pode esperar um ou quantos anos for preciso, sempre cuidando, sempre dando o mais desinteressado amor. “Porque há esperança para a árvore, que, se for cortada, ainda torne a brotar, e que não cessem os seus renovos. Ainda que envelheça a sua raiz na terra, e morra o seu tronco no pó,
contudo ao cheiro das águas brotará, e lançará ramos como uma planta nova.” Jô 7: 7 –9.

Nesse ponto meu peito pesa tanto que preciso confessar-lhes algo: que hoje escrevo para não chorar. Este breve momento de parar para pensar no amor de Deus me conforta, faz minha revolta amenizar. Então escrevo e ouço Dvorák (Sinfonia do Novo Mundo) para não chorar ante a velha mas sempre surpreendente maldade humana, de paixões que exigem sangue e sacrifício, heróis de plástico para sustentar o medo, essas paixões humanas que a tudo dispensam com facilidade desde que continuem embriagando com a lascívia do poder. Para tanto sempre haverá um bode expiatório e um bode “exultório”, diria Millôr. E Brecht completaria: “Que tempos são estes, em que uma conversa sobre árvores é quase um crime, porque inclui um silêncio sobre tanta maldade"? Quem sou eu, tão má e pecadora, para me espantar com a injustiça e falar de sabedoria? Quem sou eu, no meio de tantos que gritam pelo Deus de Justiça, que lhes fale do Deus de amor, que passou por cima do nosso conceito paupérrimo de justiça para nos tornar justos? Quem sou eu para dizer que o Deus da Justiça já nos teria cortado a todos da face da Terra?

Sei apenas que sou filha de um Deus em que vale a pena confiar. E todo aquele que dEle se achegar jamais será lançado fora (João 6:37) (Romanos 8:33-39). “Pois será como a árvore plantada junto às correntes de águas, a qual dá o seu fruto na estação própria, e cuja folha não cai; e tudo quanto fizer prosperará.” (Salmo 1:3)

Uma semana iluminada,

Luciana

segunda-feira, 11 de outubro de 2004

Deixa eu dizer uma coisa...

Não foi uma vez só que eu e meu marido, recém-casados, fomos interpelados por alguém que atentava para alguma demonstração de carinho de nossa parte e dizia: “Ah, mas deixa eu dizer uma coisa: isso é apenas agora! Aproveitem, que daqui a uns anos a coisa vai ser bem diferente!”. A primeira vez que ouvimos isso foi duas semanas após nosso casamento, na frente do pastor, que ficou visivelmente constrangido e tentou consertar a frase como pôde. Nós sorrimos amarelo e deixamos estar. Depois ouvimos a frase se repetir ainda outras vezes, de outras formas, por várias pessoas, mas com a mesma conotação, e em todas as vezes nós simplesmente sorrimos amarelo e deixamos estar. Mas agora resolvi me dirigir às pessoas que verdadeiramente pensam assim com mais do que um simples sorriso amarelo e dizer: deixem estar vocês também! E que Deus aponte o futuro de cada um de nós!

Alguém pode argumentar que foi apenas uma brincadeira, que esse é o tipo de frase que todo mundo gosta de dizer aos recém-casados (como a indefectível “quando virá o herdeiro?”). Mas não é brincadeira que a maior taxa de divórcios atualmente ocorre durante os primeiros dois anos e meio após o casamento. Não é brincadeira a dor de muita gente que vê seu casamento se desintegrar nesses primeiros dois a três anos, após experimentar uma terrível sensação de vazio, solidão, dúvidas e frustração. Não é brincadeira também a quantidade de casais que depois de muito tempo juntos não partilham mais nenhum tipo de carinho ou afeição, e vivem apenas como pessoas que moram juntas por motivos práticos.

Eu não levo jeito para conselheira matrimonial e não é minha intenção aqui apontar causas e remédios para esses males, mas analisar a maldade embutida em frases aparentemente sem importância que dirigimos às pessoas no dia-a-dia. Não apenas aos recém-casados, mas a todos com que nos relacionamos de forma íntima ou não. Uma “brincadeira”, um xingamento, uma palavra desencorajadora pode provocar tamanho mal que nenhuma outra palavra poderá reparar. Elas saem despercebidas e às vezes constituem um vício pernicioso, que acaba por amaldiçoar a vida de alguém. “Você não vai conseguir”, “Você vai acabar fazendo besteira”, “Você não faz nada direito!”, “Você é igual a todos (as) os (as) outros (as)!”, “Você é desastrado, dirige mal, é muito chato, ridículo, incapaz, medroso, inseguro, inútil, sem atitude, besta, burro!” e uma infinidade de outros exemplos mais ou menos inflamados. Às vezes despejam o veneno a conta-gotas, todo dia uma depreciação. Às vezes vem tudo de uma vez, em momentos de raiva. E quase sempre as palavras mais desanimadoras são atiradas contra as pessoas que mais precisam do nosso amor.

O que é pior é que algumas dessas palavras são ouvidas e guardadas, justamente porque representamos algo para quem as ouve. São filhos que acabam por cumprir as palavras dos pais e tornam-se irresponsáveis e infelizes. São amigos que acabam por aceitar que são mesmo um caso perdido. São homens e mulheres que se acostumam com uma péssima imagem de si mesmos. São casais que na primeira crise concluem que o amor mais cedo ou mais tarde vai acabar “como acontece com todos”. São filhos de Deus que são tratados da forma oposta como ensinou esse Deus: “Todo aquele que sem motivo se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem disser a seu irmão, `raca!´, estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe disser: tolo, estará sujeito ao fogo da Gehenna.” (Mateus 5: 22).

No versículo acima, Jesus aprofundou um preceito conhecido por aqueles que o ouviam naquela época. A lei judaica, com que os escribas e fariseus estavam bastante habituados, parecia ter sanções específicas para o insulto “raca”, que em aramaico significa “cabeça vazia”, e era usado como um termo de degradação. Jesus mostrou que qualquer tipo de insulto, mesmo aqueles não punidos pela lei (tolo = moros, do grego, pode ser entendido também como rebelde), são considerados uma ofensa grave porque depreciam a mais perfeita obra da criação de Deus, que é o próprio ser humano. Perceba que no verso 21, Ele começou citando o mandamento “não matarás”, como querendo deixar subentendido que o sentimento que leva alguém a assassinar seu irmão é da mesma natureza daquele que leva alguém a amaldiçoar seu irmão com palavras depreciativas. E Deus dá a esses o mesmo tratamento: o fogo da Gehenna, símbolo do juízo de Deus e figura bastante conhecida do povo naquela época porque aludia ao vale de Hinom, que era um depósito, fora da cidade, de toda espécie de imundície, onde o fogo a tudo destruía. A mensagem era: se você diz uma palavra má contra seu irmão, deve temer mais que a justiça humana, deve temer a justiça dAquele que criou o ser humano.

Por isso embora a maioria de nós tenhamos sido (mal) educados para expressar nossa ira com facilidade através de palavras que tem o único objetivo de ferir, a proposta bíblica nos orienta a focarmos “tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor” (Filipenses 4:8). E aconselha mais: “Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim, unicamente a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e assim, transmita graça aos que ouvem para que não entristeçais o Espírito de Deus, no qual foste selados para o dia da redenção.” (Efésios 4:29). “A língua é fogo, é mundo de iniqüidade ... com ela bendizemos ao Senhor e Pai, também com ela amaldiçoamos os homens feitos à semelhança de Deus. De uma só boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não é conveniente que seja assim. Acaso pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é amargoso?” (Tiago 3: 6 – 11).

Hoje Deus está colocando novamente diante de nós a bênção e a maldição (Deuteronômio 11:26). Nossa boca irá falar daquilo que o nosso coração escolheu. O que temos a oferecer às pessoas ao nosso redor, que já levam seus pesados fardo de cansaço, desânimo e desesperança? Que palavras queremos que fiquem gravadas no coração de quem precisa do nosso amor? O que desejamos para aqueles que ousam sonhar com um futuro bom, amável, feliz? Eu particularmente gostaria de deixar que eles realizem seus sonhos de amor, sucesso e vitória, sem olhar para fracassos que os cercam, ainda que esse fracasso seja o meu. Porque eu sei que, como filhos de Deus, todos nós nascemos para ser mais que vencedores, e temos do Senhor do Universo o tratamento mais especial que alguém poderia ter (I Pedro 2:9). Porque haveriam os filhos de Deus de ouvir as palavras de maldição de quem ainda não compreendeu o poder de seu Pai?

“Deus o abençoe”, seja a frase colocada na ponta da língua, mesmo quando alguém nos pise a ponta do pé. “Deus o abençoe”, seja a frase pronta e sincera para qualquer ocasião. “Deus o abençoe”, sejam minhas palavras seja qual for o meu ânimo ou o do meu irmão, “Deus o abençoe” seja a nota indelével que o mundo escute dos cristãos (Tiago 1:26, 27).

Uma semana iluminada!

Luciana

sexta-feira, 8 de outubro de 2004

E recebereis poder

Quem a conhece, pequena e doce, não imagina de pronto a vitalidade e alegria de que aquela senhora é capaz. Quem passa em frente a sua casa e a vê regando seus vasinhos enquanto cantarola feliz, não imagina que todo aquele quarteirão cheio das mais belas plantas foi todo plantado e cuidado por ela. O verde-vivificador já não cabia só em seu mundinho doméstico, e ela o levou para a rua, para frente de outras casas, da escola, transbordou vida ao que lhe rodeava. É possível que a princípio as pessoas só achassem estranho. Mas com o tempo começaram a gostar dela, a lhe agradecer, a lhe prestar homenagens, e dia até chegou que uma equipe de reportagem chegou por ali para entrevista-la. Então as pessoas prestavam atenção em suas plantinhas? Logo que percebeu isso arranjou folhetos bonitos com mensagens cristãs, embalou-os cuidadosamente em plásticos e distribuiu-os por entre seus vasos de plantas. Quem passa hoje por sua rua pode descansar à sombra de uma árvore que ela plantou e ler tranqüilamente a respeito da esperança e alegria que moram no seu coração. Sem pensar muito, sairá dali levando muito dessa alegria e esperança no peito.

Como Deus é forte na simplicidade! E como a simplicidade é criativa, cheia dos mais belos discursos de Deus! Por isso quando pensei em escrever sobre bondade, foi o exemplo dessa irmãzinha que me veio à mente. Vocês devem conhecer outras mulheres e homens com histórias de feitos mais abnegados, mais extraordinários, mais sacrificais até. Eu pensei nela porque ser simples é uma das formas mais difíceis de ser bom. Por isso requer mais poder, logo, as pessoas simples são as mais poderosas.

Lógica difícil de compor neste mundo onde “poder” é uma palavra que soa altiva, entronizada, cheia de dinheiro, bens, status, autoridade para mandos e desmandos. O poder ordinário, esse mesmo que nos ensinam a busca desde cedo, faz com que muita gente sacrifique sua vida e a vida dos que o rodeiam em nome da volátil sensação de ser um pouco melhor que os outros. Família, profissão, religião e aparência são distorcidos, em nome desse poder, a meros instrumentos para conquistar mais poder ou mostrá-lo bem luminoso a todos os passantes. Restam então seres consumidos pela vontade de poder, ao invés de seres sedentos da pura e simples vontade de viver. E infelizmente não me refiro apenas a Hitlers, Bushs, ou ao seu chefe. Falo de nós também que em maior ou menor grau acabamos sacrificando os mais belos e sagrados aspectos da vida por causa de uma ânsia pouco acima do estômago que julgamos nos empurrar para cima, mas ao fim só nos aproxima mais rápido do pó.

Não erramos em pensar que o poder nos faz mais fortes. Erramos em perseguir o tipo de poder errado. Porque há o poder que faz um homem mandar em muitos outros e conseguir o que quiser. Mas há o poder de Deus, o poder da fé, o poder da oração, o poder da humildade, o poder do louvor, e entre todos os poderes que nos elevam de fato, aquele que julgo mais difícil de alcançar e, por isso mesmo, o poder que nos faz mais fortes: o poder de ser bom. Com simplicidade, o que o faz a bondade mais verdadeira, menos exibida. E é esse poder, de olhar o outro como merecedor do meu amor e atenção em detrimento das minhas próprias mazelas, dos meus míopes interesses, é esse poder que nos faz limpos de coração, que nos faz ver a Deus (Mateus 5:8) e um sentido mais nobre em nossas vidas, que nos faz enxergar enfim o nosso irmão (mesmo os que a pobreza tornou mais invisíveis) e amá-lo do jeito certo, e torna-lo meta em nossas vidas. É esse poder que desejo que busquemos todos os dias para chegarmos a ser tão grandes e fortes a ponto de sermos simples como os que vêem a Deus: os que escondem o Eu sob as asas do Altíssimo e vivem aqui para servir.

Um sábado feliz!

Luciana

sábado, 2 de outubro de 2004

Setembro

“Feliz o que venha a conhecer o que estou sentindo. É algo simplesmente maravilhoso em toda a amplitude da palavra.”

Frase que eu tirei do meu diário do ano de 1994, mais precisamente do dia 24 de setembro. E o que era esse deslumbramento que eu sentia? Embora as palavras lembrassem os arroubos típicos das adolescentes de 14 anos, não se tratava de uma paixonite. Era o sentimento mais profundo e nobre que eu experimentara até então. Que eu já experimentei até hoje. No entanto um sentimento sutil, de quem descobriu uma beleza escondida no já visto dez mil vezes antes. Sabe a beleza que nos passa rotineiramente despercebida e de repente desponta fulgurante, pululante bem na frente dos nossos olhos até pouco incrédulos? Esse tipo de beleza que é fácil apreender ao crepúsculo.

Pois foi assim. Como descreve Cecília Meireles em uma de suas crônicas¹: “Tudo palpita ao redor de nós, e é como um dever de amor aplicarmos o ouvido, a vista, o coração a essa infinidade de formas naturais e artificiais que encerram seu segredo, suas memórias, suas silenciosas experiências. A rosa que se despede de si mesma (...), tudo é um mundo que não se impõe com violência: que aceita a nossa frivolidade ou o nosso respeito; que espera que o descubramos, sem se anunciar nem pretender prevalecer; que pode ficar para sempre ignorado, sem que por isso deixe de existir; que não faz da sua presença um anúncio exigente. Mas, concentrado em sua essência, só se revela quando os nossos sentidos estão aptos para o descobrirem”.

E o que tem a ver a frase de um diário adolescente com a constatação de Cecília? Elas têm em comum Setembro. Cujo ápice, anunciado em todos os jornais e floriculturas, é a chegada da Primavera. Um nordestino não pode entender bem a primavera em sua terra, posto que conhece de clima só chuva, sol e um ventinho gostoso. E assim eu fiquei, platônica, anos a fio, vendo a primavera nas figuras de lugares distantes e na salada de frutas (!) que serviam todo ano na escola pra comemorar a estação incógnita. Flores? Só as roseiras da minha mãe, e elas botavam o ano inteiro. Mais tarde entrevi quase um perfume nas descrições de escritores, pintores e poetas. Mas foi só naquele setembro de 1994 que descobri a primavera aplicando meus sentidos às rosas.

Elas estavam postas ao lado de samambaias, simples e carinhosamente arranjadas de modo a aludir à estação das flores. De fundo uma paisagem pintada e um tanque cheio de água onde um homem de preto me sorria ternamente. Ao entrar naquela água gelada, observando as flores ao meu redor, eu compus a minha primavera, aquela cuja impressão jamais saiu do meu peito. Um quadro de Beleza e Vida que supera qualquer descrição. A minha primavera chegou plena quando conheci Jesus. E ficou cá dentro indelével e permanente, a Rosa de Sarom com perfume de eternidade.

Ao longo destes meus dez anos de fé cristã adventista ainda tenho encontrado irmãos que não viram a minha paisagem primaveril. Que não compreendem – eu os entendo, há mais para aceitar que para compreender! – o motivo que me fez desabrochar para a vida espiritual com a Pessoa de Cristo. Lembro bem de um sábado, nosso grupo debatendo o dom gratuito de Deus, que é a salvação, e um jovem adventista “de berço” levantou a voz com ira em nosso meio: “É impossível! O cristão tem que ser irrepreensível, tem que fazer o que é certo, não pode errar, e é isso que o habilita para ser aceito por Deus.” Mas se o Evangelho dissesse mesmo isso, quais seriam as boas-novas? O que me teria feito vestir aquela bata branca tão desajeitada para professar publicamente que eu amava a Cristo mais que tudo nessa vida? Naquela data eu já conhecia alguns invernos de solidão, medo, culpa, desejo desesperado de ser aceita e incapacidade comprovada de fazer o bem que queria. Minhas esperanças caíam uma a uma como folhas de outono (daqueles americanos, é verdade). Eu sabia que as coisas só funcionavam se déssemos algo em troca, muitas vezes algo que nunca mais poderíamos recuperar. Já entendia a maldade e egoísmo inerentes à frágil condição humana, a perspectiva do pó que acenava num imenso vazio interior. E o que seria para mim Cristo, se não a negação de todos esses sentimentos, ou antes, a afirmação de uma realidade infinitamente mais bela, mais alta, mais nobre e perfeita? O que me surpreenderia nessa beleza senão o único dever de aplicar a ela todos os meus sentidos e a minha vontade de conhece-la, como diria Cecília? Como Seu amor me atrairia, se não pela certeza que era amor dado de graça, “semeado no vento”, amor que não precisa de trocas, que não tem falhas e oscilações como o amor humano. O que eu achei na Pessoa de Cristo que não seja a mais perfeita forma de amar uma pessoa imperfeita?

Num dos livros que li em 1994 e que mais me tocaram na minha experiência cristã, o “95 teses de justificação pela f锲, o primeiro capítulo resume algum dos credos que sempre me aparecem primaveris quando o tempo quer fazer-se nublado. Dizem elas:
1 - O cristão faz o que é certo por ser cristão, nunca a fim de sê-lo.
2 - Justiça = Jesus. Não temos justiça à parte dEle.
3 - A única maneira de buscar justificação, é procurar a Jesus.
4 – Cristianismo e salvação não se baseiam no que você faz, mas em quem você conhece.
5 - Fazer o certo por não praticar o errado não é agir certo. Ser bom por não ser mau não é ser bom.
6 - A justificação tornará você moral, mas moralidade não tornará você justo.
7 - Nossas boas obras não causam nossa salvação. Nossas más obras não causam nossa perdição.

Relacionamento de fé, é a essa a primavera que tenho levado comigo por muitos setembros. Uma primavera de flor que não murcha, de fonte que não seca, de mão que não se aparta, de luz que enche tudo a despeito do tão pouco que sou.

Feliz Sábado!

Luciana


¹Escolha o seu sonho. 1 ed. Rio de Janeiro: Record, 1964. p. 30-32

² VENDEN, Morris L. 95 Teses de Justificação pela Fé. 2 ed. CASA Publicadora: São Paulo, 1990. Tradução do querido professor Azenilto.