segunda-feira, 30 de junho de 2003

Uma tela

Sempre tive paixão pela pintura, mas nunca me aventurei a ir além da mera contemplação. Até já tinha arriscado alguns rabiscos e pinceladas bem amadores e despretensiosos na minha adolescência, mas que ficaram muito bem escondidos do olhar do mundo em algum caderno esquecido. Foi só quando conversava com uma colega minha que também tem a mesma paixão que senti nova vontade de pintar. Dessa vez algo mais ambicioso que tinta guache em papel ofício: decidi pintar uma tela. Durante algum tempo resisti pensando: “Puxa, mas pintar em tela?! Tem que se ter técnica, boas noções de desenho e pintura, dedicação profunda, esmero meticuloso!”, mas Nicole, uma garotinha de dez anos, me provou que só boa vontade já é suficiente. Na verdade, depois de ver o quadrinho de Nicole concluí com meus botões que com um quarto de século de idade, pra pintar uma tela você só precisa de tinta e pincéis, oras.

Para não arriscar demais escolhi um motivo simples: tulipas. Mais precisamente um detalhe de tulipas, bem aproximado, de modo a me livrar ao máximo dos detalhes dificultosos. Seis tulipas com um fundo verde não devia ser algo que demorasse mais que uma tarde pra fazer. Com dois pincéis um tanto gastos e alguns potes de tinta acrílica comecei bem animada. No fim da tarde ainda não tinha pintado metade da tela. Dois dias depois tentava definir os contornos. Duas semanas depois testava dezenas de texturas para aplicar ao fundo verde, e já tinha uma coleção inteira de camisetas super fashion, manchadas de verde, marrom e vermelho. Um mês e oito pincéis depois, eu escolhia a assinatura. Enfim, hoje eu o terminei! Se ficou bonito? Não sei. Minha mãe e meu namorado jurariam que sim, mas não creio que eu vá fundar um novo movimento na arte plástica. Na verdade acho provável que minha tela de tulipas não saia nunca do seguro recôndito de meu quarto.

Mas além de desenvolver técnicas de pintura e conhecer o sentido mais profundo da palavra paciência, refleti bastante sobre a arte de criar. Acho que todo cristão deveria tentar pintar uma tela em sua vida para saber exatamente o significado do versículo: “No princípio criou Deus os céus e a terra.” (Gen. 1:1) (ter um filho também é outra alternativa, mas muito mais cara). Não se trata de saber como Deus se sentiu porque, em sua infinita sabedoria e perfeição, Ele certamente não teve dificuldades diante do ato de criar. Mas podemos avaliar ao menos palidamente o cuidado, dedicação e carinho que o Criador dedica à criação. E com isso reconhecermos que privilégio é sermos feitura de Suas mãos (Efésios 2:10), saber que Ele nos fez perfeitos, escolheu nossos dons e tons, e ao final assinou Seu maravilhoso nome em nosso coração dizendo: “Tu és meu”. Não se imagina a tela voltando-se contra o pintor e dizendo: “não acredito em você, sou obra de milênios de evolução e ciência e estou aqui por acaso.” Tampouco pode a tela, uma vez criada, deixar de ser amada pelo pintor, ainda que ele permita que ela leve sua beleza a outros olhos. O fato de existirmos demonstra que Deus nos ama. Tudo que somos deve ser valorizado porque Ele não erraria com a sua mais querida criação: somos nós que muitas vezes escapamos por um ponto de fuga e não deixamos que ele termine a obra que começou em nós.

“Pois os seus atributos invisíveis, o seu eterno poder e divindade, são claramente vistos desde a criação do mundo, sendo percebidos mediante as coisas criadas.” (Romanos 1:20). Mesmo aquilo que temos, os pequenos e grandes atributos, bens, alegrias, livramentos e desafios que formam nossa vida, expressam a existência de um Criador que nos ama. Ele não só nos fez, mas nos refaz todos os dias: somos recriados à Sua semelhança cada vez que O buscamos, é Ele quem nos mantém seguros na batalha entre a sombra e a luz. E nesse deixar que Suas mãos de Criador tracem contornos e cores em todos os detalhes de nossa vida, vamos nos tornando uma admirável obra de arte.