sábado, 31 de agosto de 2002

Quando as coisas começam a mudar

Sábado passado tivemos, como de costume, a reunião do GEA (Grupo de Estudantes Adventistas) da Igreja do Alecrim. Todos estávamos visivelmente tristes, devido à perda de dois membros muito queridos, que por motivos pessoais se afastaram do nosso convívio. Ambos acrescentavam muito em alegria e motivação, e ora, uma perda é sempre uma perda, é sempre triste, e deixa aquela sensação de membro amputado que continua a doer. Ao contrário de todas as semanas, começamos a reunião sem cantar, porque um dos membros que saíram foi justamente aquele que tocava o violão para animar o louvor. Cantar sem ele ali, significava evocar de forma mais sofrida sua ausência. Então fomos logo para a sessão de pedidos, agradecimentos e testemunhos.

Depois de seguidos “agradeço a Deus pela vida”, com um semblante triste tornando o agradecimento meio paradoxal, e depois de alguns pedidos de oração em torno sempre de nossas perdas, um dos membros mais tímidos, que geralmente nada pede, agradece ou testemunha, disse que queria falar. Todos os olhares surpresos dirigiram-se para Regineide, que ainda mais intimidada começou a narrar um dos testemunhos mais poderosos que eu já ouvi nos últimos tempos.

Regineide faz geologia no CEFET daqui de Natal, e é comum eles saírem para pesquisas de campo. Na sexta-feira sua turma fez uma dessas viagens, mas o que deveria ser só mais uma viagem para estudos, logo se tornou uma prova angustiante. Depois que o grupo realizou suas atividades rotineiras, um dos amigos de Regineide contou algo no mínimo perturbador. Ele disse que há algum tempo atrás, sonhara com essa viagem, e que tudo estava acontecendo exatamente como no sonho: os componentes do grupo, as atividades realizadas, os lugares, tudo com detalhes estava seguindo o mesmo rumo do seu sonho. Mas um detalhe que o estava incomodando muito, é que no sonho, enquanto eles voltavam, acontecia um grave acidente com o ônibus, e nesse acidente Regineide morria. Fantasia? Profecia? Coincidência? Brincadeira de mal gosto? O fato é que ninguém queria mais deixar Regineide voltar. É provável que o relato do colega dela tenha sido bastante convincente, porque até mesmo os professores começaram a inventar mil motivos para eles viajarem só no outro dia.

Porém era sexta-feira, e Regineide tinha um compromisso inadiável com Deus no sábado. “Mas aqui nós vamos passear, ver coisas da natureza, você não vai precisar fazer nenhum trabalho...”. Regineide estava decidida: ela queria estar na Igreja. “Mas é apenas uma noite, você vai amanhã cedo”. Regineide subiu no ônibus, preparada para voltar. Pode ser que na hora ela tenha dito que aquilo era só uma coincidência, que ninguém podia se guiar por sonhos, e talvez até tenha feito algumas brincadeiras em torno do assunto. Eu faria isso. Talvez você também. A maioria das pessoas aprende, ainda criança, que a melhor maneira de espantar o medo do desconhecido é chamá-lo de misticismo e tratá-lo como um fantasia da imaginação humana. Mas a gente sempre esbarra com algo na Bíblia parecido com “pois não é contra carne e sangue que temos que lutar, mas sim contra os principados, contra as potestades, conta os príncipes do mundo destas trevas, contra as hostes espirituais da iniqüidade nas regiões celestes.” Efésios 6:12. Acho que Regineide teve muita fé em entrar naquele ônibus, e pensando bem, eu não conseguiria fazê-lo sem ao menos um leve tremor nas pernas.

Durante a viagem, de fato, ocorreu um grave acidente na estrada. Mas não com o ônibus em que Regineide ia com seu grupo. Este chegou a Natal são e salvo, sem nenhum arranhão. Comentando então sobre o “destino” diferente do sonho, o colega dela falou o seguinte: “Mas tudo ia mesmo, exatamente como no sonho, até a hora do pôr-do-sol. No meu sonho, você ia triste, sentada na cadeira com um ar desconsolado. As coisas na realidade começaram a ficar diferentes, quando você se levantou da cadeira e começou a cantar para gente as músicas que você costuma cantar no culto de pôr-do-sol da sua igreja. Daí em diante, tudo mudou, e como você vê, nada mais aconteceu segundo o que eu tinha sonhado!”. Nós todos do GEA estávamos emocionados com o testemunho dela, que nesse ponto também já não conseguia falar, com a voz embargada pelo choro contido. Nesse sábado, como todos os demais, nós terminamos cantando. E não obstante a tristeza pela ausência de dois dos nossos membros, terminamos cantando forte, com fé e poder.

Não é curioso como louvar a Deus parece combinar apenas com um coração alegre e exultante? Sim, sem dúvida é maravilhoso louvar a Deus assim, mas o louvor é também para quem está fraco, ansioso, derrotado, tentado e triste. Diria mais: o louvor é especialmente para quem está assim! Mas sejamos francos. É claro que na prática louvar a Deus quando as coisas vão mal é como seguir aquele bom hábito de beber muita água logo ao acordar e depois tomar um café da manhã bem generoso: espontaneamente não dá mesmo! Temos que ter uma boa motivação, ou do contrário nosso esforço não terá sentido.

Eu poderia citar uma porção de bons motivos para você louvar a Deus em todas as ocasiões, mesmo nas tristes. Mas a sua motivação tem que partir daí de dentro, de um genuíno desejo de agradecer a Ele, mesmo quando tudo leva a crer que sua derrota é certa. Isso significa: fé, que implica em poder para fazer as coisas mudarem. No caso de Israel em II Crônicas 20, a motivação era um exército inimigo bem a sua frente, em número assombrosamente maior, pronto a massacrá-los, cortá-los em pedacinhos, queimá-los e jogar as cinzas no rio Ganges. Estranhamente, o pequeno exército de Israel guardou suas espadas e pôs a sua frente um grupo de cantores dizendo: “Rendei graças ao Senhor, porque a sua misericórdia dura para sempre.” (II Cron. 20:20). Consegue se imaginar no lugar deles? Se já houve pessoas de fé na Bíblia, essas pessoas cantavam. Repare que, além de caminhar para um destino perigoso e temível, eles ainda tiveram que subir um monte, sem poder ver que, do outro lado, os próprios inimigos matavam-se uns aos outros. Sempre agradecendo, eles caminhavam sem ter noção do que os aguardava. E ao chegarem no alto do monte, não havia mais nenhum inimigo sobrevivente.

O recado é claro: louve ao Senhor com um coração agradecido.. Mesmo que o destino pareça amedrontador, é louvando que você demonstra fé em que Ele está agindo. E Ele está. Mesmo que, na subida do monte, você não consiga ver como Ele está fazendo isso. Há Alguém que vai muito à frente no teu caminho, preparando tudo para que você alcance a vitória. O que você tem que fazer, então, é louvar. E se a vida está em ruínas, se seus sonhos se frustraram, se suas conquistas foram tragadas, louve ainda mais forte, como se sua alma mesmo fosse um canto de louvor. Sua tarefa é continuar caminhando, e cantar com tanta fé que nem sinta seus pés doerem tanto. Os pés dEle doeram mais quando foram pregados na cruz.

Deus está entronizado nos louvores do seu povo (Salmo 22:3). É aí que Ele mora, então se quer encontrá-lo, não há melhor maneira que buscá-lo em adoração. Experimente, ao invés de parar no meio do caminho ou fugir pela tangente, continuar caminhando mesmo em meio ao vale da sombra da morte. Enquanto caminha, tente agradecer a Ele, mesmo que não tenha restado nenhum motivo a não ser a fé de que Ele vai à sua frente. Faça isso e sinta quanto poder é liberado quando você desvia seus olhos do objeto de seu medo, para o Objeto de sua fé. Meu querido amigo, acredite, é quando louvamos que as coisas realmente começam a mudar... e não seguem mais o curso daquilo que julgamos “o mais provável”, mas fluem de acordo com a realidade do amor dEle por nós. Confie um pouco mais! Habite com Ele no louvor. Começo, então, eu mesma, pedindo isso...

Comigo habita, ó Deus, a noite vem!
As trevas descem, eis, Senhor, convém
Que me socorra a Tua proteção!
Oh, vem fazer comigo habitação!

Vem revelar-Te a mim, Jesus, Senhor,
Divino Mestre, Rei, Consolador!
Meu Guia forte, amparo em tentação!
Oh, vem fazer comigo habitação!

Breve, Senhor, terei meu fim mortal;
É tão fugaz a vida terreal!
Tem tudo aqui mudança e corrupção,
Oh, vem fazer comigo habitação!

Se eu estiver nas trevas ou na luz,
Não há perigo, andando com Jesus;
A morte e a tumba não aterrarão!
Oh, vem fazer comigo habitação!

(Comigo Habita [Abide with me], hino 397 do Hinário Adventista do Sétimo Dia)

Uma semana iluminada,
Luciana

sábado, 24 de agosto de 2002

Decifre pessoas (e economize R$ 35)

O fenômeno aconteceu quando uma das estagiárias chegou com um livrinho verde embaixo do braço e o colocou na estante onde guardamos nosso material. Todo mundo que chegava e saía via o livro lá, verdinho, e por algum motivo, irresistivelmente magnético. Na mesma semana, já havia fila de espera para pegar o livro emprestado, todo mundo que o via queria ler. A explicação para tamanha atração estava no título: “Decifrar pessoas”. O livro de Jo-Ellan Dimitrius e Mark Mazzarella é um pequeno manual que ensina a descobrir as características das pessoas através da observação de seu comportamento, tom da voz, aparência (inclusive o corte de cabelo), entre outras “dicas” aprendidas em experiências práticas que a autora vivenciou acompanhando mais de seiscentos processos judiciais nos Estados Unidos.

Eu, que desde sempre me considero uma observadora apaixonada do ser humano, consegui furar a fila e dar uma folheada no livro. Não descobri ali nenhuma fórmula mágica, apenas alguns itens óbvios a serem analisados quando se quer, de fato, conhecer alguém. Se estou interessada em saber quem é Mauro Maurício, é normal que eu repare no modo como ele veste, fala e se comporta. Se ele dá uma gargalhada está alegre, se chora, está triste ou comovido. Se usa sempre terno preto, não acho que ele seja um indivíduo espalhafatoso, se engraxa os sapatos, é cuidadoso, e se sabe combinar bem as camisas com as gravatas e meias, adivinhe? Ele tem uma ótima esposa! Ao contrário do que o título do livro sugere, não há nenhum segredo para decifrar pessoas: trata-se da antiga arte de observar, aliada a um pouco de sensibilidade.

O que me chamou atenção mesmo, não foram as “dicas” da autora, mas a forma como o livro causou um interesse repentino nas pessoas. Parece que todos estão querendo urgentemente entender seu semelhante. Conviver tornou-se um jogo de individualismos, e desconhecemos cada vez menos as pessoas com quem lidamos. Os adolescentes passam um terço da vida se sentindo incompreendidos, e quando crescem é a vez deles não compreenderem. Os homens espalham aos quatro ventos que “ninguém entende as mulheres”, e as mulheres respondem que “quanto mais conhecem os homens, mais admiram os cachorros”. Depois homens e mulheres fazem uma trégua e têm filhos que, quando forem adolescentes, escreverão em seus diários: “ninguém me compreende!”. Tornamo-nos cada vez mais indecifráveis! O resultado disso é a deterioração dos relacionamentos, tão notória em nossos dias.

*Ai que vontade de comer feijão*

Ninguém pode negar que esse é um dos maiores problemas do século XXI: relações superficiais e pouco duradouras. Nos acostumamos a fast food, drive-in, instant mensseger, e também a relacionamentos práticos e rapidinhos (ainda vão inventar um nome em inglês pra isso). Nada muito envolvente (envolvimento dá trabalho), nada muito profundo (profundidade exige diálogo e tempo – que não temos), nada muito grande (para sempre é tempo demais a se investir numa pessoa).

Mas assim como acontece com as comidas congeladas, perdemos muito em sentir o sabor de algo realmente gostoso num relacionamento “enlatado”, tipo agite e use. Pode ser que um dia todos comam gelatinas verdes super-nutritivas e insípidas, como aquelas que os astronautas levam para o espaço. Nesse dia as pessoas poderão até ter aprendido a viver sozinhas e sem Deus. Mas eu, no alto dos meus noventa anos, vou continuar comprando feijão no mercado negro.

Talvez você também já tenha cansado de gelatina verde sem sabor. Quando me pergunto: “Por que estamos assim?”, nunca consigo ouvir como resposta um “porque queremos”. Essa distância entre nós mesmos, essa falta de entendimento entre pais, filhos, cônjuges, colegas de trabalho e torcedores de times rivais, essa incompreensão não parece ser uma opção que nos agrade. Ela é muito mais fruto de nossos medos e inseguranças. O resultado de nossas defesas, e a fantasia tola de achar que não se entregar dói menos que não ser feliz.

Nosso medo de não sermos aceitos é o que nos faz ceder a uma vida frustrante, e até se adaptar a ela como se isso fosse exatamente a coisa certa a fazer. Embora você sinta lá dentro, sobre o travesseiro onde você põe a cabeça todas as noites, uma vontade imensa de comer feijão.

Tornamos nossos relacionamentos mais confortáveis fazendo com que ele não mexam tanto conosco. Não nos incomodem a ponto de transformar o que somos. Homens, mulheres, temos medo. E um deles, é sermos descobertos e não aceitos. De sermos desmascarados e por isso, não mais amados. Relacionar-se plenamente custaria ter que se abrir e mostrar-se por inteiro, deixar-se observar, deixar-se decifrar, e isso nos faz tremer os joelhos. Nossa máscara é bem mais confortável. E um relacionamento superficial, se por um lado não nos satisfaz, por outro lado, não provoca sentimentos e reações que fujam ao nosso controle. Relacionamentos rapidinhos, descartáveis ou bocejantemente superficiais não borram a maquiagem. Nos contentamos em ser aceitos por aquilo que não somos... E suportamos o tédio, porque fugimos da perspectiva de dor. Embora não esqueçamos o gosto do feijão, até mesmo daquele que nunca provamos.

Esse apetite por ser inteiro não é em nada errado, é apenas a confissão da nossa humanidade: Deus nos fez para sermos felizes, plenos, não para sermos seres se escondendo.

*Baile de máscaras*

Esse é enfim o primeiro grande problema que nos fez distantes um do outro: o medo de sermos quem somos realmente. Há pessoas tão especializadas em ser o que os outros querem, que se lhe tirassem os paradigmas de beleza, poder e status, elas perderiam o motivo de viver: não saberiam quem são! Morreriam por acreditar que ninguém as amaria se elas não fossem exatamente como manda o modelo. Mas a tragédia de quem vive assim, é enxergar que nenhum de nós se encaixa perfeitamente em modelo nenhum. Sempre nos deparamos com falhas. E as escondemos. Todos nós.

Agora pense: Como as pessoas podem se entender, se elas não mostram ao outro quem são? Como podemos nos compreender se vivemos fugindo uns dos outros? Como decifrar pessoas num mundo onde as pessoas não se permitem decifrar? A resposta para o primeiro grande problema é lançar fora o medo. Se é tão difícil sermos amados pelo que somos de verdade, uma coisa é certa: essa é a única maneira de ser amado. Se você precisa usar uma máscara para ser aceito, a verdade é que sua máscara é amada e não você. E máscaras, amigo, existem às milhares. Você é único. E atrás dessa maquiagem, talvez esteja desperdiçando uma chance única de ser amado de verdade.

O segundo grande problema da nossa distância universal é que, acostumados que ficamos a esse baile de máscaras, já perdemos há muito o hábito de observar as pessoas. Ora, mas se todas parecem tão iguais! Como num desfile de moda. As pequenas variações de cor da pele e cabelo nas modelos que desfilam, não consegue tirar a impressão de uniformidade que elas formam, como se fossem todas o mesmo ser fabricado em série. Infelizmente essa busca pelo padrão universal não fica só nas passarelas. Já não nos preocupamos em sermos apenas, mas em sermos “daquele jeito”. Se dermos uma olhada ao redor veremos que Deus ama a diversidade, e pôs no mundo criaturas tão diferentes por um só motivo: a beleza também está na diferença, no contraste, na assimetria. Mas agora todo mundo se esforça para ser igual, usando o mesmo padrão global de ser humano perfeito... (ops! Plim, plim).

*Labirintos fascinantes*

Assim fica mais difícil conhecer as pessoas. Elas ficam parecendo uma grande massa de iguais. Mas eu acredito que ainda é possível ver algo especial se nos esforçarmos para ver além. Só temos que recuperar o gosto por observar. Reparar detalhes. Ou no caso dos homens, pelo menos tentar. O melhor modo de decifrar as pessoas ainda é contemplando-as. É incrível como, olhando para nosso semelhante, aprendemos muito sobre nós mesmos. Crescemos sobremaneira saindo do nosso próprio mundinho para ver a beleza particular de cada pessoa. E também seus defeitos, manias, necessidades. Veremos algumas coisas tristes, outras que nos causarão repulsa. Mas sempre haveremos de crescer. Veremos que a verdade não pertence somente ao nosso conjunto de frases feitas. Há um pouco mais de verdade no olhar de cada pessoa que nos cerca. Mas a gente tem que chegar lá, bem perto, para ver.

A resposta para o segundo grande problema é termos coragem para nos aproximar. Observar detidamente, com o mínimo de preconceito possível, e tentar apreender a profundidade, mesmo a não nítida, ou a de difícil acesso. Decifrar pessoas pode ser como entrar num labirinto, em que, à medida que você vai se aproximando do centro, as paredes vão ficando mais estreitas e salientes, com pontas agudas em que você poderá se machucar. Mas se conseguir chegar ao centro, terá uma visão tão bela que te impressionará a ponto de fazer você não querer mais sair dali. O centro do labirinto pode guardar o lugar onde você nasceu para ficar.

Quero crer que haveremos sempre de encontrar algo para observar além da máscara alheia. Algo que nos diz respeito, que vai mexer com nossas vidas (oh, não... não tem outra maneira mesmo!), e vai exigir de nós mesmos, atitudes de ser humano para ser humano, não mais de ser humano para objeto. Reaprendendo a observar pessoas, conseguiremos ser mais humanos, nem que isso parta do encontro de vazio com vazio.

*Descansando o olhar*

Para decifrar pessoas não basta querer saber os segredos de invadir. Tem que se ter consciência que, conhecer é também ser invadido, e que por isso exige muito mais do que a maioria de nós se sente capaz de dar. Mas o fato de eu estar dizendo tudo isso, é porque acredito que ainda somos capazes. Deus nos fez assim! Não nascemos para nada abaixo da plenitude. Se acostumar ao superficial é o que de pior podemos fazer a nós mesmos. Relacionamentos sólidos e profundos demandam grande energia e investimento, mas valem a pena. Fazem-nos conhecer não só as pessoas, mas a sensação ímpar de sermos satisfeitos em todos os níveis do ser, a alegria sublime de amar e sermos completamente amados. Lembra? Sabe o que é isso?

Neste início de semana, pense se já não é hora de rever seu modo de olhar e ser olhado. Peça a Deus o dom de observar, e a coragem de ser exatamente quem é. Pode ser que seus olhos às vezes fiquem cansados, ao ver tantas paisagens tristes, tantos lugares áridos onde a pupila não possa descansar. E ainda pode ser que, sendo quem você é, você perca algumas coisas, até algumas pessoas que não queiram o que há por detrás da sua máscara (não que você não seja especial, é que nem todo mundo aprecia Miró ou Van Gogh). Mas esteja certo que Cristo sempre te olhará com amor leal. E nEle você sempre achará lugar para contemplar e sorrir.

Uma semana iluminada,

Luciana

sábado, 17 de agosto de 2002

Montanhas

Você conhece, é um dos chavões cristãos mais propalados: “a fé remove montanhas”. A base bíblica para essa afirmação está em Marcos 11: 23, onde Jesus afirma: “Em verdade vos digo que qualquer que disser a este monte: Ergue-te e lança-te no mar; e não duvidar em seu coração, mas crer que se fará aquilo que diz, assim lhe será feito.” Descobri um novo sentido para essa crença, e gostaria de partilhar com vocês.

Semana passada minha mãe dirigiu-se até uma clínica para fazer exames de rotina, entre os quais estava incluída uma mamografia. Ela foi sem medo. Aos cinqüenta e um anos, nunca foi constatado nada de irregular. Na sala de espera, ela observava constrangida o desespero de outras mulheres. Uma delas estava voltando para fazer novo exame, porque o médico havia descoberto um nódulo suspeito em seu seio. E isso, para aquela mulher, significava algo de muito errado. Um câncer talvez. Por isso ela chorava e chorava, enquanto outra mulher tentava consolá-la. A última dizia à primeira:

- Tenha calma, as coisas não são tão trágicas assim. Veja o meu exemplo. Há alguns anos eu fiz um exame e os médicos encontraram um enorme nódulo no meu seio. Como era maligno, precisou ser retirado com urgência. Mas eu tive fé, e orei pedindo a Jesus que me curasse. Até aquele momento eu não conhecia o poder de Deus. Era uma mulher rica, bonita, realizada, bem casada, nunca havia precisado da ajuda de Deus. Mas quando precisei, Ele me atendeu, e antes de fazer a cirurgia, os médicos fizeram um novo exame onde constataram o desaparecimento inexplicável do nódulo.

Minha mãe ficou impressionada com o relato da mulher. Solidária a ela, e na intenção de reforçar seu testemunho, disse apenas:

- É, eu também conheço esse Deus vivo que te curou!

Fez o exame e foi embora. Na mesma semana, minha mãe descobriu que o exame acusou não só um, mas vários nódulos nos seus dois seios. Foi chamada para fazer novo exame, mais minucioso, e teve que enfrentar novamente a sala de espera, sem ninguém para consolá-la e com um medo terrível no coração. Na mente, a sua afirmação dita tão convictamente alguns dias atrás, parecia acusar-lhe: “Você realmente conhece esse Deus vivo? Então chegou a sua vez de ter fé.”

É tão fácil declararmos nossa fé quando nada nos atinge. Mas quando chega a hora de sermos provados? Até onde nossa fé sobrepuja o medo, a ansiedade, a dúvida? Minha mãe passou a semana orando. Nunca a vi tão temerosa. Falava sem parar no assunto, e seu semblante ficou visivelmente abatido. Descobri que nessas ocasiões, é até melhor não conversar sobre o assunto com outras mulheres, já que todas têm sempre uma experiência horrível e traumatizante para contar...

Um dia antes de ir ao médico fazer a biópsia, minha mãe apontava para o exame de ressonância magnética e dizia: “Veja só, Luciana. Um dos nódulos é enorme, há outros grandes também. Estou preparada para chegar lá amanhã e ter de ficar internada para uma cirurgia...” O nódulo maior tinha pouco mais de dois centímetros, mas na perspectiva dela aquilo era imenso. Tentávamos tranqüiliza-la dizendo que não era nada demais, que ela não podia antever nenhum diagnóstico. Mas foi Deus quem a fez ir ao exame pensado: “Eu, porém, confiarei no Senhor; esperarei no Deus da minha salvação. O meu Deus me ouvirá.” (Miquéias 7: 7)

Felizmente ao chegar no médico, este descobriu que a situação era mais simples do que ela imaginava. Os nódulos “enormes”, foram retirados rapidamente, através de uma pulsão, um procedimento relativamente simples, que usa apenas uma agulha para “esvaziar” os nódulos. Em seguida ela voltou para casa, e quando fui conversar com ela para saber como tudo havia se passado, ouvi exatamente essas palavras:

- Eu disse que tinha fé. Os nódulos foram minhas “montanhas”. Eu os via enormes, intransponíveis... mas Deus, em Seu amor, as transformou em montículos de barro. E eu aprendi como minha fé pode remover montanhas.

Qual é a sua montanha pessoal? Não importa que homens no passado tenham curado, ressuscitado, feito fogo descer do céu. Quando você se vê diante da sua montanha, é somente a sua fé que pode removê-la. Você realmente acredita nisso? Conhece verdadeiramente o Seu Deus? Ou apensa as histórias que te foram contadas, e pareceram sempre tão distantes? Milagre não é fazer um nódulo desaparecer, um câncer ser curado, um cego tornar a ver ou uma montanha lançar-se ao mar. Isso tudo é muito simples para Deus, muito pequeno. Milagre, é fazer você ver as coisas com o olhar dEle. Sem medo, sem desespero, com a certeza de que todas as coisas contribuem para o bem daquele que O amam. É abrir seus olhos, de modo que, conhecendo realmente por Quem você é amado, seus olhos se abram para uma realidade muito além do cume das montanhas. O milagre que Deus mais anseia realizar, o mais difícil, meu amigo, é fazer você crer. De todo o seu coração, vontade e entendimento. Quando conseguirmos ser curados espiritualmente da nossa pouca fé, nenhuma montanha nos parecerá ameaçadora. Porque Ele nos elevará acima das maiores alturas, para vermos muito mais que os simples temores humanos. “Os teus olhos verão o Rei na sua formosura, e verão a Terra que se estende em amplidão.” Isaías 33: 17

Que nesta nova semana, você receba o maior milagre de todos: saber em quem tem crido. (II Tim. 1:12)

Uma semana iluminada!

Luciana

sábado, 3 de agosto de 2002

O céu por um real

A cena era comovente. Meio-dia, a senhora indiferente, e ela explicando com voz de choro:

- Não, minha senhora, deixe eu ser clara... eu te-nho-que participar desse evento, entendeu?

- Senhorita, o que eu entendi bem é que você não fez a matrícula na semana passada, portanto não-po-de-ma-is participar desse evento. Não há mais vagas. Sinto muito.

- Não, a senhora não tem idéia do que eu sinto. Se eu perder a oportunidade de fazer um desses cursos de música barroca, eu posso ter um colapso nervoso. A senhora gostaria de abrir o jornal e ver que uma garota morreu de colapso nervoso porque não abriram uma vaga para ela? Meus pais poderiam processar a senhora - ameaçou a garota, insopitável.

- Pois bem, que processem - falou a senhora secamente, terminando de organizar uns papéis em cima da mesa.

- Olha - ela respirou fundo - desculpe, eu estou nervosa. Não quis ser grosseira. Sabe, eu amo música barroca. Sou completamente, perdidamente, doidamente apaixonada por música barroca. E aqui em Natal, nunca aconteceu um evento desse porte, especialmente voltado para esse tipo de música, e com professores de alta qualidade. Então, eu não posso ficar de fora se não nunca vou me recuperar desse trauma...

- Senhorita, se você ama tanto música barroca, por que não fez a inscrição semana passada?

- Mas eu já lhe disse! Eu não sabia que as inscrições eram até semana passada. Vi a propaganda, mas não reparei nas letras minúsculas que diziam o prazo de inscrição. Ontem eu vim aqui pensando ser uma das primeiras da fila, mas quando cheguei me informaram dessa catástrofe. Então resolvi vir aqui novamente, suplicar, implorar, pedir de joelhos se for o caso, para a senhora deixar eu participar.

- Não posso.

- Eu não acredito! Minha senhora, tudo bem, eu entenderia se a inscrição fosse de um valor maior, mas é apenas um real!! Um real!! Que diferença faz matricular alguém depois?? É apenas uma vaga a mais, ninguém vai reparar!

- De fato, esse valor é apenas simbólico. Não paga nem o lanche dos professores. Mas foi instituído para que os alunos se sentissem vinculados à responsabilidade de comparecer ao curso. Pagando essa taxa, eles demonstraram interesse real pelas matérias, o que a senhorita não fez.

- Mas... mas...

- Tenho que ir almoçar, com licença.

- Ouça-me, eu pago mais - dizia ela enquanto segurava o braço da senhora, que saía a passos largos em direção à porta - pago cinco reais, pago dez. Pago vinte, a senhora pode ficar com o restante. Espere um pouco!

- Por favor, me solte, se não eu chamo o segurança.

- Eu pago cinqüenta, cem reais... tá bom, eu pago duzentos, meu salário todinho!

A senhora parou, olhou a garota de cima a baixo e não pareceu nem um pouco sensibilizada com a quantia vultosa do suborno. Antes, a fulminou com um olhar que a fez ficar parada, sem reação. Depois continuou andando em direção a seu carro.

A garota começou a chorar. Estava desesperada e fazia questão de demostrar isso. Logo que se deu conta que sua última oportunidade de fazer o curso de música barroca estava indo embora, retomou os movimentos e correu em direção ao carro.

- Minha senhora, eu lhe imploro - ela soluçava - se a senhora não fizer minha matrícula eu vou acampar aqui na frente do Palácio da Cultura, e vou cantar todo o repertório de música barroca e renascentista que eu conheço, até alguém se sensibilizar com minha situação, ou até eu perder a voz!

- Faça um bom aquecimento vocal antes, disse a senhora dando partida no carro.

- Não, não vá embora... por favor...

Mas o carro já ia embora. A garota foi atrás, a princípio tentando segurar o carro, depois andando rápido, depois correndo com os sapatos altos nas mãos, jogando súplicas ao vento. Uma cena deplorável, coisa que ela só se deu conta depois que notou todo mundo da praça a olhando.

De alguma forma, esse episódio me fez pensar de novo em Deus, e no modo como se opera a nossa salvação. Quanto custa ser salvo? O apóstolo Paulo responde: "sendo justificados gratuitamente pela sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus" (Romanos 3: 24); "para o louvor da glória da sua graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado" (Efésios 1:6).

A salvação é gratuita, decorre da graça de Deus. Mas há algo que precisamos fazer, e é condição sine qua non para sermos salvos. Consiste em aceitarmos isso. Deixar que a salvação concedida gratuitamente por Cristo faça parte de nossa vida, demonstrar interesse para que ela se opere. Se me permitem a comparação, seria como dar um real a Deus e em troca receber toda as promessas celestiais que Ele tem para nós. Mas um real? É, não se engane se quiserem vender um terreno no Céu mais caro. Deus realmente não precisa de nosso dinheiro, nem do nosso um real (que é quase dinheiro), mas Ele precisa que demonstremos interesse pelo Seu maior presente. Afinal, não adianta Ele querer nos dar um Céu junto com Jesus , se o Céu junto com Jesus não está entre o que mais queremos.

E como demonstramos nosso interesse? Bem, como Deus ainda não abriu uma conta bancária aqui na Terra, Ele instituiu outra "moeda" simbólica: o nosso coração. Dando o nosso coração a Jesus, demonstramos querer muito estar ao Seu lado, e participar das boas-novas que Ele anunciou, das promessas que em breve irão se cumprir. Trata-se de um compromisso que assumimos quanto aos nossos sonhos de cristãos. Esse é o vínculo entre a salvação e o ser humano: o ato de entregar o ser a Cristo, por inteiro, demonstrando nosso interesse em estarmos para sempre com Ele. Não estou dizendo que o seu coração vale um real, nada disso! Mas entregá-lo a Deus pode ser tão fácil quanto desembolsar essa quantia módica, se você o fizer movido por amor. E conhecendo a esse Deus maravilhoso, não há como não amá-lO!

Sim, a salvação é gratuita, é dom de Deus. Mas exige de nossa parte um aceite indispensável, claro e total. Uma entrega tão profunda que seja visível aos olhos de todos os passantes. E creia, o amor que provém de Deus transpira por todos os poros, é notório e contagiante.

Que nesta nova semana você possa entregar-se mais uma vez a Jesus, e renovar com Ele o pacto da salvação. Isso fará sua semana muito mais feliz. Assim como a minha, que começa maravilhosa, especialmente depois que consegui me matricular num dos cursos de música barroca, justamente o de canto, que eu mais queria. Pois é, um dia depois do incidente com a senhora da história ai em cima, os organizadores abriram novos prazos, e eu consegui fazer minha inscrição. Mas é claro, eu tinha que fazer meu drama, hehehe.

Uma semana iluminada,

Luciana