domingo, 2 de dezembro de 2001

Declarações

Há os que picham nos muros, e os que escrevem em bilhetes. Há os bilhetes escritos em folha de caderno, e os improvisados num guardanapo de papel. Há papéis que escondem pétalas secas, outros que guardam palavras. Há palavras imortalizadas em sublimes poesias, e poetas de ocasião que põem o sentimento incomum e novo, nos lugares-comuns das rimas desgastadas. Mas está sempre lá, em algum lugar: decorado na ponta-da-língua, tatuado na barriga-da-perna, esculpido no pé-de-abacate. Porque os humanos todos não escapamos àquela vontade, essa vontade, esta vontade, que faz alguns morrerem numa cruz, outros declamarem, outros sussurrarem, outros até, meu Deus, contratarem carros de som ou gritarem nos telhados (e o Quintana se revira: "deixe em paz os passarinhos!").

Tudo quer falar de amor, o modo é uma infinidade...

Por isso tem as declarações, os silêncios de saudade e os olhos cheios de lágrima. Tem as clássicas: as dos que ligam para a rádio à meia-noite e oferecem aquela música triste para alguém que, com certeza, também está acordado, pensando em voltar, ouvindo a dedicatória... e se não ligou, juro, é só porque não quis incomodar. Tem ainda, as daqueles que escrevem tudo em outra língua, sempre que querem dizer algo lá do fundo do peito, buscam palavras estrangeiras... para quê? Para não se verem confessando algo que ainda é inconfessável. Para que alguém traduza o que lhes parece estranho, e a tradução denuncie o que ainda não se conseguiu entender. Prove que eu disse isso em bom português. A tinta se acovarda, e lá vai "Je´taime", "Ich liebe dich", "amor, I love you".

Cada dia inventam uma opção: adesivos das gotas de pinho Alabastro, ursinhos da Maritel, flores virtuais, mensagem de texto para celular, ou telemensagem, para quem sempre quis ter voz de locutor. E cada um escolhe seu jeito: os paranóicos colocam o CD com a música preferida dos dois, porque têm certeza que ele vai entrar por esta porta agora; os detalhistas vestem uma roupa combinando com a do par; os práticos dão meias, amendoim, paçoquinha; os cúmplices dão barras de chocolate comidas pela metade Hehehhehe...

A verdade é que declaração de amor faz saltar nossa veia artística: uns viram desenhistas, e o desenho tem sempre um coração, uma flor, ou um avião indo para o Afeganistão se você não me abraçar. Outros preferem dançar na chuva. Impressiona o número de namorados que são amantes da sétima arte. Já viu cinema sem eles? E como representam bem, estes meninos e meninas quando declaram seu amor! Por fim, os músicos cantam, tocam, compõem, dublam. E todos, enternecidos, ouvem, pois ninguém resiste às declarações de amor.

Todo mundo quer ouví-las, mesmo sem correspondê-las, mesmo sem saber amar. É que elas saram umas feridas distantes, escondidas, que depois de curadas a gente não sabe como conseguiu viver tanto tempo ferido daquele jeito. E daí por diante, você quer ouvir todas as declarações de amor: as que declaram carinho, amizade, admiração, respeito, euforia, fidelidade. Mesmo as que apenas declaram uma sincera vontade de amar, são capazes de desentortar metade de uma existência frustrada. Não se encontrou melhor jeito de tirar cheiro de mofo da vida. Até mesmo aquela menininha triste, que não queria nunca mais namorar ninguém, e chorava, tadinha, sem vontade de casar, hoje sorri raiozinhos de lua, tão feliz está depois que a declaração de amor daquele menininho ali, devolveu para ela uma profunda estima por si mesma. E até hoje, eles viveram felizes para sempre.

Gosto do fim do ano porque é a época em que as pessoas ficam mais propensas a declararem seu amor umas para as outras. E intimamente o que a gente faz, é resgatar a memória de um menino que nasceu há tanto tempo atrás, mas que até hoje impressiona por ter se tornado a mais bela declaração de amor. A gente, às vezes sem saber, o imita só pela terna pretensão de estender aos outros, um pouqinho da paz que emana da simples lembrança de uma estrebaria em Belém. Mas veja bem, só valem as declarações sinceras, e estão de fora os covardes e os homens maus. Eu sei que tem também as filas quilométricas, os estacionamentos lotados, os shoppings entupidos, e o estresse para fazer tudo bem rápido, antes do feriado. Mas até as propagandas ficam mais positivas. Há mais tempo para os abraços, beijos, presentes, cartões, e todo um desfile de declarações de amor. Nesta época do ano, as pessoas pensam mais bonito. E intimamente a gente sempre espera um recomeço melhor.

Hoje eu escrevo para comemorar o Natal, e pedir a você que não esqueça de também fazer a sua declaração de amor. Para todos a quem você ama, tem carinho, admiração, respeito, ou a quem você desconhece completamente, mas que lhe está ligado pelo gênero biológico. Não espere os sinos tocarem (eles ainda tocam?), não deixe os presentes roubarem-lhe o prazer da entrega. Não pense muito nos motivos, você é humano, basta. E sei que você encontrará seu jeito, pois não acreditou quando eles disseram que existem mil maneiras de preparar Neston? Invente uma. Declare-se sinceramente a você e aos seus semelhantes. E por fim, no princípio de tudo, encontre uma maneira de declarar seu amor a Deus, você sabe, Ele nos amou primeiro (I Jo 4:19).

A minha eu já escolhi: é a coisa mais simples que Deus poderia escutar. E se você se achegar muito discretamente num cantinho do pinheiro, eu te deixo ouvir também: "Eu sei que existem dores, motivos para chorar, e coisas tristes acontecendo aqui e lá do outro lado do Brasil. Sei também que o meu amor ainda tem tanto para aprender, que Você vai ter que me ver aqui, pedindo perdão, mais algumas vezes. Nem sempre eu vou estar sorrindo, porque os planos falham, as pessoas nos machucam e as coisas têm essa mania chata de nunca serem exatamente como eu queria. Mas nem uma coisa bem grande, nem milhões de coisas pequenininhas mudarão minha vontade de ficar ao Seu lado. Aconteça o que acontecer, lembre-se que eu escolhi descansar em Seu abraço. E enquanto eu aprendo a lidar com minhas fraquezas, saiba sempre: eu vou ficar bem, por Sua causa, e para Você."