domingo, 30 de abril de 2000

ser amado pelo Ser Amado

“E nós conhecemos e cremos o amor que Deus nos tem...” I Jo 4:16

Responda sinceramente: o que é mais importante para você: buscar o Ser Amado (pessoa) ou buscar o ser amado (sentimento)? Enquanto você pensa, deixe-me contar uma história que me aconteceu há alguns anos trás.
Só há algo pior que um daqueles dias em que tudo dá errado: é um dia que em que tudo está pra dar certo, e dá errado.
Eu vesti a melhor roupa, passei horas me penteando, roí cada milímetro “roível” de unha, e agora estava ali naquela pizzaria enorme ao lado dos meus tios e primos. Eu tinha um carinho especial por esses meus tios, a quem eu tinha como os adultos que eu gostaria de ser, de modo que tinha esperado muito uma chance de sair com eles.
Me encolhi um pouco mais na cadeira enquanto todos olhavam compenetrados para meu primo que falava animadamente. Ele era o centro das atenções, e não poderia deixar de ser diferente; ele era perfeito! Seu rosto era lindo, seu porte chamava atenção entre os de sua idade, sua inteligência o fizera adiantar um ano na escola e ela era carismático, gentil, engraçado e vivaz. Os olhos de meu tio, o pai dele, brilhavam. E os meus, fixos nos lustres do teto, tentavam fazer com que aquela luz me respondesse algumas questões íntimas que me torturavam a alma: “o que o torna tão especial, já que eu posso fazer tudo que ele faz, e até melhor? Será que conseguiriam me ver se eu fizesse essas mesmas coisas bobas? meus tios me teriam metade da atenção e do amor que têm por ele?”
Nessa hora, o garçom se aproximou para fazer os pedidos. Meu primo pediu pizza de alho. “Ora.. pizza de alho.. exibido! Claro que eu posso comer pizza de alho também...eu apenas ainda não experimentei, mas sei que posso”. Com suco de melancia. Bem, aí era mais difícil... “tinha que ser logo a fruta que eu mais detesto?” pensei. Mas é claro que eu podia fazer aquilo. Lembrei de um livro chamado “As frutas na medicina doméstica” que li na casa da minha avó, e lá falava maravilhas sobre a melancia. Na verdade, eu tive certeza que iria adorar o suco de melancia.
- Pra mim também! – falei convicta e num tom de voz suficientemente alto para que todos ouvissem.
A pizza chegou mas ninguém observava que eu e ele estávamos comendo a mesma coisa! Eu já estava mais parecida com ele e meus tios ainda não haviam começado a me amar mais! Pelo contrário, continuavam completamente absortos naquela criaturinha angelical que se divertia colocando o conteúdo daqueles vidrinhos em cima do seu pedaço de pizza. Eu o imitava como uma sombra, e despejava em dobro o que quer que fosse que estivesse nos vidros coloridos que ele pegava. E ainda assim, ninguém sequer reparava em mim! O que estaria errado? Desolada por meu fracasso, cortei um pedaço de pizza e levei à boca. E chorei. As lágrimas vertiam involuntárias e intensas. Mas não meus amigos, não era de frustração ou desamor. Era a simples mistura de pizza de alho com catchup hot e molho de pimenta, em doses cavalares. Aflita, busquei o copo de suco de melancia, que em nada amenizou a situação, antes embrulhou mais meu estômago. Eu não podia decepcionar meus tios ali, portanto, esforçando-me para parecer natural, ainda comi uns quatro pedaços daquela iguaria... como vocês devem imaginar, naquela noite eu não saí dali nem mais nem menos amada por meus queridos tios, mas com uma dor de barriga estonteante, vômitos incontroláveis, a boca e o estômago em condições lamentáveis e uma abominação imensurável à melancia, pimenta e alho.
Por minha ânsia exagerada em querer ser amada, eu acabei deixando de saborear o amor que já existia abundantemente entre mim e meus tios e ainda tive que engolir coisas muito ruins, das quais eu poderia ter me poupado!
Ah, mas como fazemos isso hoje em dia, não? O Ser Amado está ali, e o amor também. Mas você quer mais, quer ser amado da forma que você julga melhor, pelo que você acredita que é certo, impondo parâmetros de intensidade, profundidade, quantidade e qualidade no modo como o Ser Amado te ama. Despeja todo seu egoísmo sobre você mesmo e só se sente satisfeito se este Ser vier a te amar exatamente como você acha que deve ser amado. Só que um belo dia você descobre que não era bem isso que queria.. que falta mais! E ainda que o Ser Amado tenha cedido o suficiente para fazer a tua vontade, a ponto, muitas vezes, de perder a própria identidade por amor a você, de modificar valores para se moldar aos teus padrões, de deixar de ser quem é, para satisfazer aos caprichos da tua vontade... bem, ainda assim, você nunca se sentirá satisfeito, e sempre terá algo para corrigir, para exigir, para cobrar. E isso , tão somente porque sua busca não é pelo Ser Amado, mas pelo ser amado, ou seja, se sentir amado, a qualquer custo, num vício que em nada vai fazer crescer, antes, terá consequências bem desastrosas e diferentes do real objetivo do amor.
A excessiva preocupação em ser amado levará o Ser Amado a dois caminhos: ou deixar de se amar, ou deixar de te amar. E a princípio não é esse o fim do amor. Muito menos é amor a sensação de posse e a necessidade de conquista presente na atitude castradora de padronizar o amor do outro. Por outro lado, nunca se poderá chegar a felicidade entrando pelo caminho que busca a simples sensação de estar sendo amado. Por dois motivos: primeiro que o que você vai receber é apenas uma sensação ilusória que há de lhe satisfazer temporariamente, e não o amor real da outra pessoa, ainda que ela queira muito te dar este amor. Na realidade a pessoa que busca essa sensação não se ama, não se aceita e nem consegue se amar, projetando toda essa necessidade em cima do amor do Ser Amado, ou seja, a pessoa não precisa do amor de alguém, ela precisa de amor próprio, e se busca esse amor de si mesmo no outro, fazendo disso a finalidade da própria vida, acabará por nunca encontrar seu objetivo. Segundo, exatamente pela transitoriedade volátil desta sensação; apraz, mas logo aumenta o vazio. E o círculo vicioso e escravizador, que passa por atos cada vez mais longes do real amor, irá atrair, como um redemoinho, sentimentos ruins, de solidão , frustração, desesperança, e num plano mais avançado, até mesmo ódio e traição.
E como isso se reflete na nossa relação com Deus? Bem, particularmente, sou uma adepta de que Deus é poeta, e como tal, também deve ter lido com melancolia um poema do Drummond de Andrade que diz assim:

“Tão imperfeitas, nossas maneiras de amar.
Quando alcançaremos o limite, o ápice de perfeição, que é nunca mais morrer,
Nunca mais viver duas vidas em uma,
E só amor governe todo além, todo fora de nós mesmos?”


Por Deus ser perfeito, Ele sabe o que é amar assim, e não pode nos amar de forma diferente. Ele simplesmente nos ama e sabe que esse amor é capaz de suprir nossas necessidades mais profundas... coisa que nem sempre nós compreendemos. E como às vezes nos acostumamos a fazer com os nossos semelhantes, buscamos o amor de Deus querendo moldá-lo ao que, dentro de nossa visão, seja a maneira certa de um deus amar. Isso pode ser feito quando não aceitamos uma situação e o culpamos por isso, quando cobramos dEle uma reposta imediata sem ver as consequências que isso poderia ter, quando pensamos ou dizemos que ele esqueceu de nós e seu aparente silêncio e apatia não condiz com um Deus que é amor. Enfim, quando nos foge a sensação de “ser amado” e nosso amor é tão débil que não aceita a imensidão do sentimento verdadeiro do Ser Amado.
O amor supremo está bem ali, todo ao nosso alcance. Mas quanto mais nos preocuparmos em tê-lo, menos nos sentiremos amados. A solução é passar da busca de ser amado, para a busca pelo Ser Amado, que só pode se dar quando aprendemos a amar da forma mais adulta e desinteressada possível. Quando o dar amor conseguir suprimir a necessidade de se sentir amado, descobriremos, enfim, a liberdade, a paz e a satisfação que vem de uma relação saudável entre seres que se amam (seja ao nível humano ou divino). Ao concentrar a preocupação em amar o Ser Amado, deixando de ansiar por afeição, atenção e compreensão, descobriemos na nossa vida sinais de tudo isso, que estava ali, presente o tempo todo, mas que nossos olhos não tinham aprendido a apreciar. E agora, livres, podemos com serenidade sentir a alegria de receber o verdadeiro amor do Ser Amado, aceitando todo o seu sentimento na íntegra, puro e verdadeiro.
Deus nos ama tanto que nos fez capazes de amar como Ele. E Seu amor não serve somente para satisfazer as nossa necessidade deste sentimento, mas para que possamos ir ao mundo e amar nossos irmãos da forma como Ele nos amou - primeiro. Nosso Deus nos criou seres que antes de serem amáveis, são amantes, e que se realizam plena e completamente quando no ato de dar afeição muito mais que satisfazendo a sede de obtê-la. Amando nosso próximo, sentimo-nos amados pelo Pai, pois “quando alguém ama, aí Deus está”. E é deixando de pensar em nós mesmos que ganharemos capacidade de apreciar todo o sabor do amor do outro, e com isso, estabelecer uma relação de crescimento onde, cresce o amor próprio, cresce o amor ao outro, e cresce o amor do outro, todos crescendo em direção a Deus, a fonte do amor. É tendo coragem de perder que chegaremos ao fim da busca, encontrando o amor do Ser Amado.

Uma semana feliz e iluminada!!

domingo, 23 de abril de 2000

Pyguara :quando Deus manda andar

“O Senhor é meu pastor e nada me faltará. Ele me faz repousar em pastos verdejantes e leva-me para junto das águas de descanso... ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque Tu estás comigo: a tua vara e o teu cajado me consolam.” Salmo 23: 1,2,4

Os olhos de Paumari brilhavam como Jaci, cheia na noite. Jarawara o encarava satisfeito de ver que ele gostara do desafio, e saboreava o sorriso empolgado do amigo. Mas de repente uma nuvenzinha cinza nublou aquele sorriso que foi murchando até se transformar em um beicinho.
- Mas mãe de Paumari não vai deixar ele ir!
- Paumari diz que foi pegar mel de jati com Jarawara. Todos os homens da tribo já foram ver os guerreiros brancos... pai de Jarawara contou que eles são alvos como flores de borrasca e alguns tem cabelo de sol! E tem mais... – falava devagar o amigo, degustando a curiosidade e o pasmo de Paumari – pai de Jarawara ganhou um barrete vermelho, uma carapuça de linho que guerreiro branco chefe usava na própria cabeça e um lindo e estranho cocar preto! Jarawara acha que é mágico! Que é presente de Tupã!
- Oh!!!
- E pai de Jarawara deu o cocar de penas vermelha de arara para ele! – falou sorrindo orgulhoso - Se Paumari e Jarawara atravessarem a floresta pelo monte até o rio onde estão os grandes barcos, podem ganhar cocar dos guerreiros também! – dizia enquanto segurava o colar de contas brancas que trazia no pescoço
Paumari voltou a sorrir, agora com mais entusiasmo. Estava muito feliz do amigo tê-lo convidado para tamanha aventura. Confiava que ao lado dele estava seguro porque Jarawara era mais velho, já tinha sido iniciado nos rituais dos homens da tribo, não era mais um curumim, já tinha saído para caçar com o pai, e conhecia os caminhos da floresta portanto já era um Pyguara¹ também. Aceitou imediatamente e se aventurou com amigo, pela primeira vez, através da floresta pelo monte.
Durante o caminho Paumari teve medo, pois nunca tinha andado naquele lugar que parecia ser muito mais assustador do que seu pai falava.... enquanto caminhava em seu passinho apressado, pensava no caa-pora, o espírito mau da floresta... lembrava as histórias das cobras boicininga e sucuri que engolia até um boi! Pensava nas coisas que o pajé contava, em volta da fogueira, sobre o curupira, o Anhagá e o Jurupari, o demônio boca torta! Toda vez que ouvia um barulho estranho tinha vontade de voltar para os braços da mãe, mas sentia a mão de Jarawara, firme, forte e, se acalmando, resolvia seguir. Ele estava seguro ao lado do amigo, que o tempo todo lhe ensinava o que fazer, por onde andar, e lhe mostrava cada detalhe daquela mata tenebrosa... aliás, muito mais detalhes que seus olhinhos medrosos pudessem atentar!
Chegaram num ponto da floresta que havia uma subida bem íngreme, de terra fofa, e Jarawara foi na frente. Paumari ía ficando cada vez mais pra trás... mais pra trás.. e se apoiando nos joelhos, a barriguinha saliente ofegante, parou e fez um beicinho de novo. Começou a chorar, mas Jarawara estava um pouco distante. Chorou mais alto.
- Paumari não consegue subir!! Buá!!!!!!!!
Jarawara olhou com ternura o amigo. Lá de cima gritou:
- É porque você está pisando no lugar errado! Pela areia fofa é mais difícil! Eu vim na frente justamente para você pisar nas minhas pegadas, onde a terra ficou mais firme, e assim vai ser mais fácil subir!! Venha! Mas tenha cuidado quando subir, porque aqui em cima, logo adiante, tem um igarapé onde toda a areia em volta é falsa: engole gente! preste atenção onde eu pisei e pise no mesmo lugar!
O indiozinho Paumari enxugou o olho de onde não tinha saído mais que uma lágrima e fez o que Jarawara dissera... percebeu que estava subindo rápido e isso o deixou muito feliz!! Tão feliz e seguro que esqueceu das advertências sobre o igarapé e....quando percebeu estava com areia pela cintura. Mais um grito desesperado e Jarawara veio lhe tirar dali... dessa vez Paumari ficou mais atento e em pouco tempo eles chegaram no alto do monte.
A visão lá de cima era fantástica... dava para ver a praia, onde muitos índios estavam reunidos em uma grande pocema². Também dava para ver alguns homens brancos vestidos de forma assustadora com objetos inimagináveis nas mãos. Jarawara avistou o pai e pensou aliviado que não teria que voltar sozinho pelo caminho da floresta, pois já estava escurecendo. O sol se punha no horizonte e os indiozinhos, cansados, decidiram esperar pelo pai de Jarawara ali. De repente o cocar dos guerreiros brancos não parecia tão importante diante daquela visão linda da natureza, do seu lar, da sua terra. “E além do mais, pensou Jarawara, a essa altura, com tantos índios lá, já não deve ter nenhum cocar para Paumari e Jarawara”.
Era um dia de Abril do ano de 1500, mas isso não importava nem um pouco a Paumari...muito menos aqueles estranhos guerreiros brancos. Tudo que importava para ele, sentado ali quietinho do lado de Jarawara era a sua descoberta. Descoberta muito maior do que aquela que os guerreiros brancos julgavam ter feito naquele dia. Paumari sentia a felicidade de ter cruzado um caminho desconhecido, cheio de perigos e dificuldades, confiando unicamente no seu pyguara. Levou tombos, estava arranhado, sujo, cansado, mas chegou seguro no alto do monte, agora certo dos segredos da floresta: bastava caminhar nas pegadas do pyguara e segurar-lhe a mão bem firme, não desviando os olhos dele, nem os ouvidos de suas recomendações.
E é por isso que insisto que Paumari descobriu em 1500, algo muito maior que o nosso amigo Cabral. O que Cabral descobriu, já estava descoberto, habitado e inclusive visitado muitas vezes antes. O que Paumari descobriu, a humanindade ainda vive a procurar pelos caminhos mais tortuosos: a maneira de alcançar a felicidade plena e real em Jesus Cristo.
É interessante como a frase do salmo: “O senhor é meu pastor” é proferida, escrita, cantada, e expressa de todas as formas no meio cristão. Todo mundo quer seguir com Deus pelos pastos verdejantes e as águas de descanso. Mas por vezes esquecemos que também há uma vale da sombra da morte a ser atravessado, e aí nem todo mundo confia em simplesmente segurar a mão e seguir os passos do grande Pyguara Jesus Cristo, o Senhor de todos os caminhos, o próprio caminho, verdade e vida. Muitas vezes não temos a segurança infantil de Paumari, para simplesmente nos deixarmos guiar, mesmo com medo, mesmo desconhecendo o terreno e com todos os temores que o mundo nos incutiu na cabeça e no coração. Acho que você sabe que temores são esses, diariamente a gente se depara com um. Medo de dizer sim, medo dizer não, medo de ficar só, medo de ser invadido por alguém, medo de lutar e perder, medo não conseguir, medo de não ser notado, medo de não ser reconhecido, medo de começar, recomeçar ou terminar, medo encarar o novo.. e o velho! Nossa! São tantos medos que alguns tem medo de ter medo! Mas a vida é essa grande floresta (já dizia uma professora minha falando de simbolismos psicológicos) que precisa ser cruzada antes de chegarmos até às aguas de descanso. Você pode parar e jamais chegar em cima do monte, você pode querer determinar seu próprio caminho e não conseguir subir o terreno difícil, você pode querer se achar seguro que já sabe tudo sobre o caminho e acabar com areia até a cintura (no mínimo!).
Ou você pode simplesmente dar a mão a Jesus e fazer grandes e maravilhosas descobertas. E é lá, em cima do monte, descansando ao lado dele, que você vai entender o que tem realmente valor para você e reavaliar a importância do que você queria tanto. O legal de dar a mão a Jesus e seguir confiante, é que no final a gente sempre descobre que o que Ele tem pra gente é bem mais e bem melhor do que a gente queria. E pode ficar aquela sensação estranha de : “puxa, vai ver que tudo que eu estava precisando era mesmo de um bom pôr-do-sol com muita paz.”
Paumari e Jarawara não sabiam que depois da Descoberta dos gaviões brancos³, aquela visão de pôr-do-sol jamais seria a mesma. Talvez eles não tenham vivido o suficiente para levar seus filhos em cima daquele monte... mas espero que sua aventura pueril nos tenha deixado hoje a certeza de que guiados pelas mãos do nosso Pyguara Divino, não temos o que temer em meio a nenhuma selva densa ou vale da sombra da morte.
Uma semana feliz e iluminada!!!

Lux Lunae

¹do idioma tupi, py – caminho e guara – Senhor, era como os indígenas chamavam o guia.
²grande alarido que os índios faziam em ocasiões solenes, como começo de batalhas ou simplesmente de alegria, em festas
³ segundo “profecia” do velho pajé Baitureté, no romance “Iracema” de José de Alencar, o gavião branco destruiria a narceja, ou seja, a raça branca destruiria sua raça.

domingo, 16 de abril de 2000

Sem controle: quando Deus manda parar

“...Não temais: aquietai-vos e vede o livramento do Senhor que hoje vos fará ... o Senhor pelejará por vós, e vós vos calareis.” Êxodo 14:13,14

Era uma tarde de quarta-feira e minha mãe vinha do médico onde houvera feito o pré-natal. Enquanto segurava a mão da minha irmã mais velha, sorria satisfeita. Naquela época não era muito comum fazer ultrasonogafia para saber o sexo da criança, mas o mais importante ela sabia: seu bebê estava bem. A gravidez corria normalmente, a médica lhe parabenizara pelo desenvolvimento sadio do feto. Sete meses e tudo sob controle... haveria de ficar tudo bem, só bastavam mais dois meses e ela descobriria aquela criaturinha amada que lhe causava tantos enjôos e lhe chutava impacientemente a barriga, como que pedindo, precoce e caprichosamente, para ver o mundo lá fora.
O sol do entardecer tocava de leve aquele sorriso orgulhoso. Sim, ela era uma boa mãe. Como na primeira gravidez, soube controlar a alimentação, medicação, exercícios, consultas ao médico, e por um instante pensou que, daqui a pouco tempo, aquela sua outra mão, agora vazia, seguraria a delicada mãozinha de sua próxima criança...
Uma buzina estridente. Zoada de pneus subindo a calçada. Pára-choque prateado e frio. Uma pancada forte. A mão vazia. A parte debaixo de carro. Outra pancada forte, esta na barriga. Tão forte que pôde sentir algo dentro dela sendo bruscamente atingido. “morreu”. Alguns segundos infinitos de silêncio e o chôro de uma voz infantil. “Meu bebê morreu”. Uma lágrima na face.. que face? Não sentia mais uma parte sequer de si mesma, senão a barriga e um corpo dentro dela, inerte, a violenta pancada fê-lo parar, mas sua dor parecia gritar naqueles segundos de silêncio angustiante. Nessa confusão de sensações abruptas, perdeu a noção do tempo, e tudo que ouvia era uma voz infantil em chôro cada vez mais desesperado. Foi quando percebeu a mão vazia e que a voz era a da minha irmã. Pessoas se juntavam ao redor, um burburinho e algumas vozes exaltadas. “sim... morreu...”.
Um motorista bêbado perdeu o controle do carro, subiu a calçada e passou por cima da minha mãe, literalmente. Ela, ficou com o corpo completamente embaixo do carro e não sofreu mais que alguns arranhões. Minha irmã mais velha, então com três anos e meio, subiu, por reflexo, em um pequeno batente, e foi atingida apenas nas pernas, fraturando uma. E eu.. hehehe, eu estava lá dentro daquela barriga, e dois meses depois, nascia com mais de três quilos e uma bocarra chorona “destamanho”, para dar muito trabalho e felicidade a minha mãe. Até hoje brincamos muito, dizendo que, desde antes de nascer eu era uma tremenda cabeça dura....e que aquela pancada foi, provavelmente, a causa de eu ter nascido assim; apesar de perfeita, tão louquinha.
Naquele momento, eu morri para minha mãe. E eu tive que “morrer” para que ela reconhecesse que a minha vida dependia não dos cuidados de boa mãe dela, não da alimentação, do que ELA fizesse, que tudo isso era importante, mas minha vida e a dela dependiam exclusivamente de Deus. Ela perdeu totalmente o controle e o domínio sobre a sua gravidez, assim como, por vezes, nós perdemos o controle sobre determinadas situações na vida. Debaixo daquele carro , ela descobriu-se completamente impotente frente a todos os seus planos. Era a hora de ficar quieta, parar, e aguardar o salvamento do Senhor.
Tantas vezes eu me vi completamente imobilizada embaixo do carro da vida... fiz tudo que estava ao meu alcance, sob o meu controle tudo ía bem, quando de repente me vejo em uma situação em que não posso fazer mais nada...nada mais depende do que eu fizer ou quiser. Tenho que ficar quieta (e isso é algo realmente difícil para mim). “Por que, logo agora que estava tão perto?” me pergunto. Abro a Bíblia e lá está: "Entrega o teu caminho ao Senhor; confia nele, e ele tudo fará". (Salmo 37.5) e este verso nunca me pareceu tão doloroso. Abro o hinário e lá está o hino 379 me soando extremamente absurdo, embora seja tudo que eu tenho naquele momento para me consolar... “Eu tenho que fazer alguma coisa... não posso continuar de mão atadas” mas olho e as amarras ainda estão lá. Todas as situações que minha mente evoca, onde alguém perdeu o controle, me aparecem como tragédias e eu me sinto a próxima vítima. Acima de tudo que eu julguei que podia controlar, sobe uma placa vermelha da mão de Deus com a palavra: STOP. E por não confiar no meu inglês, Ele chega até mim e diz:
“Ei, EU estou a controlar. Pare de brincar de Deus, pois Eu Sou o Senhor... pare de montar seus castelos de cartas por que você está falando com o arquiteto do Universo. Pare de soltar seus barquinhos de papel na correnteza, porque fui eu quem formei e controlo o mar. E enquanto você rabisca seus planos no papel, eu sei de toda a sua vida, desde que você estava no ventre da sua mãe até o futuro que você está tentando adivinhar com suas inúteis bolas de cristal, e Eu contemplo apenas com um olhar. Dê uma olhada ao seu redor e se pergunte: o que foi que você conseguiu que Eu não te dei? Enquanto você tiver as mãos ocupadas com esses pequenos brinquedos que você chama de “capacidade”, “maturidade”, “força”, “inteligência emocional”, eu não poderei colocar nas tuas mãos os diamantes da minha sabedoria, do meu discernimento, do meu poder. E eu gostaria muito que vc parasse de ficar brincando de desbravar trilhas desconhecidas com o frágil facão da tua auto-suficiência, quando eu estou aqui, só te esperando para te levar por um caminho seguro. Oi! Olha para mim! Fico aqui observando como você fala de mim, às vezes mal a ponto de me magoar , às vezes bem a ponto de convencer pessoas que elas precisam de mim e converter tantas outras à minha verdade. Mas sabe, a única coisa que eu queria é que você olhasse para mim. Se você o fizesse, você veria que meus olhos estão buscando os seus e conseguiria perceber que todo o seu viver está sob o meu controle. Aceitaria, provavelmente, me entregar todo o seu coração e toda a sua existência, ao invés de me dar só pedacinhos e ficar com aquilo que você acha que pode apropriar-se, mesmo sendo meu, pelo preço tão caro do sangue de Jesus. Deixaria de buscar respostas e soluções próprias e teria, simplesmente, a mim.”
Aí eu percebo que não estou suspensa no espaço, mas na mão de Deus, que tem poder de ser até mesmo, ar. Percebo que não é o fim, que meu sonho já não importa, e sim o sonho dEle para mim, que tudo que eu consegui fazer até agora fora dEle foi apenas louco, frágil, pequeno e mesquinho, que minha segurança é passageira como o orvalho e todos os meus próprios meios de encontrá-la são mapas forjados, bússolas quebradas pelas minhas experiências humanas e binóculos de lentes desfocadas pela minha própria pecaminosidade. E eu confirmo meu batismo neste momento, quando morro novamente para tudo de humano que posso e renasço no amor e no poder de Deus. O que eu vinha gerando no ventre do meu coração, ressuscita não mais por meus próprios esforços, mas pelas mãos do meu Deus.
O bebê não morreu! Estou viva e vivo está cada plano que me fará extremamente feliz! Na quietude da parada obrigatória eu percebo como Deus me ama a ponto de não me permitir tomar as rédeas da situação. E volto ao refrão do hino 379, agora simplesmente...sossegando.
Uma semana feliz e iluminada!
Lux Lunae

domingo, 9 de abril de 2000

Perdão e Vida (para quem gosta de vida)

“Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” Romanos 7:24

Semana passada, como resposta a uma súplica muito íntima, senti Deus me falando enquanto eu escrevia o texto da meditação (Deus e amor x solidão e medo). Alguns amigos dividiram comigo suas impressões diante desse tema comum à nossa sociedade hodierna, mas uma em especial me chamou atenção.
Conheço esta amiga há vários anos, e ela tem um convívio quase diário comigo. Sempre a admirei por seu equilíbrio emocional e comportamento maduro e racional. Na segunda-feira dei o texto a ela, que me agradeceu sempre sorridente. Mas na terça-feira, ao reencontrá-la, ela tinha o semblante mudado, triste e até mesmo agressivo. Percebi a mudança, mas sem querer ser indiscreta, puxei conversa normalmente sobre assuntos cotidianos. Ela porém cortou bruscamente a conversa, com palavras que me deixavam cada vez mais absorta à medida em que iam sendo proferidas.
- Então você acha que sabe o que é amor e solidão? Acha que do alto dos seus vinte anos, já tem experiência suficiente para falar de medo, relacionamento, perdão? Que tem o direito de dizer que as pessoas precisam ser amadas, não importa o quanto elas estejam feridas, magoadas e decepcionadas?
Eu permanecia sem reação, enquanto observava os olhos dela se enchendo de lágrimas. Sabia que ela havia terminado um relacionamento há pouco tempo, mas ela não aparentava que isso mexesse ainda tão forte com o coração dela. Eu não movia um músculo, enquanto ela apontava para mim e falava, olhando em meus olhos com uma tristeza amarga.
- Eu também acredito em Deus. Mas não acredito que Deus tenha feito pessoas com coração e nervos de aço para simplesmente perdoar e esquecer. Eu não vou permitir que ninguém me machuque de novo, eu tenho que ter minhas defesas. E para isso, não posso esquecer tudo o que me fizeram, tirando apenas uma lição de moral como numa fábula infantil. Só EU sei o tamanho de minha ferida, só EU sei o quanto ainda dói, só EU sei os sonhos e o amor que perdi, fui EU quem conviveu com aquele monstro que não tem o direito de ser perdoado. Ele não merece isso, e não é meu objetivo ser igual a Deus e jogar todos os erros dele no fundo do mar.
Quando parei para pensar sobre toda aquela tempestade de palavras, a primeira coisa que me veio à mente foi:
“ – Voltamos ao enigma do cachorro do velhinho.”
Explico.
Quando criança, eu costumava ir sempre para a casa de um primo meu. E na rua dele havia uma casa pequena, simples e de fachada pouco atraente em que morava um senhor já bem idoso e um cachorrinho. Eu e meu primo costumávamos passar lá e sempre parávamos para brincar com o bichinho. Era um animal dócil, de olhos carentes e pêlo vermelho, seria até bonito se não fosse tão maltratado. Às vezes encontrávamos ele com feridas, mancando, sujo. E sempre estava faminto. Não raro levávamos comida para ele, que devorava tudo e nos agradecia com lambidas satisfeitas nas mãozinhas por trás da grade. Depois se deitava quietinho, indiferente aos nosso apelos e ao desejo de levá-lo conosco. Por vezes presenciamos o senhor, dono dele, maltratando-o com chutes e gritos quando ele se aproximava, fiel. Mas ele parecia estar conformado a sua situação, sua vida de cão, literalmente.
Um dia aquele senhor faleceu. Como sempre ocorria quando morria alguém num bairro de periferia, toda a rua se reuniu na casa do falecido para o velório – que não deixava de ser um evento social bastante concorrido, tão poucas opções de lazer aquela gente sofrida tinha. Eram vestidos, perfumes, sapatos, desligava-se a televisão...era uma festa.
Eu e meu primo recebemos a notícia com olhinhos brilhantes. Agora, finalmente, o cachorrinho viria conosco! Entramos sorrateiramente na casa, com a cara mais fingida de tristeza que uma criança possa fazer e procuramos o caõzinho. Ele estava em um canto da sala, logo atrás do caixão. Nós passamos por entre aquela confusão de flores, velas e tecidos pretos, meu primo tomou-o nos braços e saímos ainda mais sorrateiramente dali, antes que alguém nos visse e tentasse nos deter.
Levamos ele para a casa do meu primo, demos comida, banho com um sabonete bem cheiroso que a minha tia guardava para perfumar gaveta de roupas dela, penteamos o pêlo com a escova de cabelos do meu tio e preparamos uma casinha bem confortável para ele numa caixa de madeira, no quarto do meu primo.
Quando voltamos do enterro, ele não estava mais lá. Tinha fugido. Quando voltei a casa de meu primo, ele me disse que alguém encontrara o cãozinho morto, dentro do quarto do dono. Apenas deitou e esperou pelos chutes e gritos do seu dono, como sempre fazia, até morrer.
Nunca entendi porque aquele cãozinho jamais aceitou mudar de vida. Por que sempre recebia os nossos carinhos como esmolas, mas nunca se dispôs a vir conosco, e quando teve a chance de ser feliz, fugiu dela. Ele não tinha atenção e cuidado do dono, que lhe tratava com desprezo e maldade até, mas era fiel à sua condição de posse sofredora. E prendeu-se conformada e voluntariamente a sua dor até definhar ao lado da causa do seu sofrimento, quando poderia simplesmente ter optado por ter tudo o que um cão precisaria para ser feliz.
Do alto dos meus vinte anos, eu talvez não tenha mais que histórias de infância e cães para contar. Mas o que mais me surpreende é ver como elas se aplicam a seres humanos bem mais inteligentes que um cão e bem mais vividos que eu...
Uma vez ouvi um sermão em que o pregador dizia que o “corpo de morte” a que Paulo se refere no versículo mencionado consistia numa penalidade romana a condenados por assassinato. O corpo da vítima era preso às costas do condenado de modo que este não pudesse se livrar daquele. Em seguida, o assassino era solto no meio do deserto, onde andava errante até morrer... mas até que lhe sobreviesse a morte, o corpo, geralmente, entrava em decomposição, e por estar preso ao seu próprio corpo, a podridão da putrefação passava a este também, e lhe corroía as carnes, decompondo-as ainda em vida.
E embora haja outro contexto para aplicar esse versículo, eu comparo a incapacidade de perdoar com este “corpo de morte”. É surpreendentemente triste perceber que há pessoas que se prendem voluntariamente ao passado, num sofrimento fiel a cada dor vivida, e remoem, e revivem a cada instante a tristeza, a decepção, a mágoa... enquanto o rancor vai, como carne podre, corroendo seu próprio espírito.
Que eu poderia dizer para a minha amiga que considerava tão absurdo, simplesmente perdoar e recomeçar uma nova vida crendo no amor? “Ok, vá em frente, viva com intensidade sua autopiedade. Fale a todos que encontrar sobre suas mágoas, revivendo-as em detalhes, e expressando-as por completo em sua voz, em sua face, em suas atitudes. Chore muito e não admita que alegria nenhuma a faça esquecer o quão triste é sua condição e seu passado. Deixe que todos saibam que você quer ficar sozinho, e alugue uns filmes bem deprê para passar o fim-de-semana assistindo, ou então compre um CDs de bolero daqueles bem chorões, para ouvir quando pensar nele. Você com certeza conseguirá ficar sozinha, protegida de novas experiências, sem perigo de ter alegria, amor, carinho, essas coisas que te fazem lembrar a falsidade daquele “monstro”, e ainda ganhará de brinde uma gastrite, uma velhice precoce ou mesmo (num lance apoteótico), um câncer, para acelerar o fim de sua triste existência”.
Não sei que espécie de amigo daria um conselho desses... a única coisa que sei é que há , nesse momento, vida lá fora! Você não pode tê-la enquanto preso a um corpo em putrefação. E há também um Amigo maravilhoso disposto a nos dar bem mais que eu e meu primo daríamos àquele cãozinho. Basta que você deixe de ser fiel à fonte de sua dor, ao seu passado que só tem para te oferecer o definhar cruel dos covardes (num ser fiel até a morte), para ser fiel, simplesmente a Ele (num ser fiel até a vida)...
Jesus pode nos livrar do corpo de morte do nosso passado, e nos restaurar, nos dando uma nova vida, com novas, surpreendentes e excitantes perspectivas. Pode nos mostrar um caminho que em muito supera a visão anuviada pelo sofrimento, do que seja felicidade. O primeiro passo é seu: perdoe. Perdoe a seu semelhante, a si mesmo, e aceite o perdão divino. Encarando o perdão por estes três ângulos, você experimentará uma nova vida e uma paz incrível. Deixe que o amor de Deus lhe invada, e não faça restrições nem imponha limites para a ação desse amor; o amor de Deus é invasor sim, pois só um amor que invade os recônditos do ser, é capaz de TRANSFORMAR.
E isso quem diz não sou eu, mas um ser com anos-luz de experiência em amor, perdão, e relacionamento... exatamente Ele! Ele, que “nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do Seu amor.” Col. 1:13.
Uma semana feliz e iluminada!

Lux Lunae

domingo, 2 de abril de 2000

Deus e amor x solidão e medo

“No amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor.” I João 4:18

Olá Geanos!
Esta semana relendo alguns textos e meditações do amigo Marcão reparei o fascínio dele por ônibus e transportes coletivos afins. Sorri pensando em como esses meios de transporte populares são um verdadeiro show diário, cheio de episódios pitorescos e conversas instigantes, ouvidas atenciosamente com um ar de indiferença por quem vai ao lado dos interlocutores.
Na linha 63, que faz o itinerário da faculdade para minha casa, eu vinha certa manhã, no meio dessa contemplação incidental da vida alheia. Duas jovens senhoras conversavam e uma delas, ao que me parece (pelos adjetivos nada nobres) , falando do ex-marido, disse com uma extrema amargura na voz , a certa altura, algo como:
“- Mas eu aprendi a viver sem ele. Não preciso mais dele. Na verdade eu não preciso mais de ninguém para viver. E quer saber? Eu não sinto a menor falta dele e não quero mais ninguém na minha vida. Nem o Neto. Ontem à noite ele me ligou com aquela conversa mole de que me ama, que quer me fazer feliz, que quer ser o homem que meu ex não soube ser... conversa pra boi dormir. Esse negócio de amor não existe, só com a Cassandra (SAP – novela do SBT), ha ha ha! Eu hem? Aquela cola, aquele sarrabuiado (SAP – grude), e liga, e pergunta se ama, e fica grudado o fim-de-semana todo, e manda cartão dizendo que ama, coisa ridícula! Ah ha ha! Eu quero mais é ser só!”
As risadas daquela mulher não escondiam o fel de cada palavra que trasbordava pelo seu olhar cansado, pelas marcas de dor no seu rosto.
Pensei em como nossa sociedade individualista exalta a solidão; desde a produção independente até o cobertor elétrico, da comida congelada até o concubinato, de tal modo que se você parar em frente a alguém desavisado em plena via pública, e lhe disser com convicção as palavras: “compromisso, estabilidade, partilha total, para toda a vida, alianças, filhos, casamento” você terá boas chances de ouvir um grito desesperado logo em seguida, no melhor estilo Hichcock.
Ser só hoje em dia, virou sinônimo de segurança, maturidade, independência.
Mas só quem é só sabe o quanto isso dói, ao cessar o sorriso-máscara, na hora de encarar a solidão. E aquela mulher do ônibus deve saber bem o que é folhear a agenda telefônica, discar um número pensando no que vai inventar e não encontrar ninguém em casa. Ligar a TV assim que chegar em casa, para não ouvir a voz do silêncio. Ligar o som, deixando de lado os CDs de música clássica que tanto se gosta, e agüentar o locutor de uma rádio medíocre, só para ouvir uma voz humana. Ter que dividir pela metade aquele pacote para dois de macarrão instantâneo quatro queijos, e a receita sair horrível. Clicar tantas vezes em “receber mensagem” que o mouse já vai sozinho pra o botão. Ver a foto de alguém querido no computador e encostar os lábios na tela fria.
Mas alguém além de mim e daquela mulher sabe o que é isso: JESUS. Ele sabe como aquela mulher e eu nos sentimos. Ele sabe o quanto sofremos até chegar nessa solidão – incidental ou procurada – e mais que isso, Ele quer dar completo amor e completo companheirismo. Eu só preciso não Ter medo de receber o Seu amor.
Mas pode ser mais que medo, pode ser insegurança. Pode ser simplesmente, não conseguir confiar mais, não conseguir mais se entregar nem receber amor, para não tirar os pés do chão nem a razão da cabeça... não se deixar levar pela mão de uma onda intensa de sentimentos para não perder o controle... não ser feliz, para não Ter que perder de novo essa felicidade. Não se sentir invadido para não ver os segredos mais lindos de si mesmo, pisoteados de novo...pode ser simplesmente, não conseguir mais Ter fé no amor. E se sentir agredido, sufocado, despido diante de qualquer manifestação mais pura desse enorme sentimento.
Pode ser qualquer outra coisa que você racionalize e use como escudo para te salvaguardar de uma nova (ou verdadeira) experiência no amar. Porém Jesus conhece a profundidade do teu ser e está bem do lado, com braços e sorriso abertos, pronto a sanar cada ferida, e a restaurar em você tudo que se perdeu pelo caminho... pronto para te conceder o Dom do perdão, que é o barro para que você seja recriado à Sua imagem e semelhança; em perfeita harmonia com você, com Deus e com seu próximo; seja ele quem for, tenha lhe feito o pior mal.
Cristo quer completar nosso ser, nos dando um amor completo (isso é mais que uma redundância proposital). Quer nos fazer capazes de amar de novo, com um perfeito amor: aquele que lança fora o medo, que elimina a solidão. E se hoje, nossa entrega a Ele não é total, é bem provável que seja porque nós associamos inconscientemente as nossas experiências humanas de amor, com o amor de Deus. Mas firmemos em nós, hoje, a certeza de que ainda que todos falhem, Ele não falhará.
Quando um golfinho encontra-se incapacitado para se deslocar sozinho devido a ferimentos ou enfermidades, é auxiliado por um companheiro, podendo assim continuar com o grupo evitando o risco de se afogar. Nesta situação, o companheiro não pode respirar, pois o seu espiráculo (por onde ele respira, está no topo da cabeça) encontra-se continuamente abaixo do nível da superfície, e periodicamente tem de abandonar o seu protegido para inspirar. Mas enquanto seu companheiro não estiver a salvo, ele não o abandona.
Deus é tão completo em Seu amor, que há de enviar pessoas especiais para nossas vidas, pessoas que nos ajudarão para que nós não nos afoguemos num mar de mágoas e solidão, e mais que isso, nos dêem a certeza que vale a pena viver. Disso eu tenho certeza! Tenha também! Acredite e olhe ao seu redor se permitindo ser assim abençoado. Mas mesmo o ser humano mais especial, e que mais te ame, é um ser humano: falho, imperfeito, com potencial de te fazer sofrer e chorar. E por vezes você pode sentir-se abandonado, mas talvez esta pessoa esteja somente recitando o poema de Anna Duarte:

“Estou aqui ao teu lado
E nunca vou te deixar
Foi minha alma que saiu de mansinho
E foi lá fora um instantinho
Tomar um pouco de ar.”


Nessas horas, não pense que está tudo arruinado, nem que o amor de Deus terá tais nuances de imperfeição. Ele não precisa ir lá fora respirar, pois Ele é o próprio fôlego de vida. Você não tem que ser só, nem se enganar que não precisa de ninguém. Você foi criado para ser amado, para precisar de amor, para precisar de alguém. Não se proteja; deixe que Cristo faça isso por você. E só quando você amar sem medo e desacreditar da palavra solidão, você viverá a plenitude do amor de Deus.
Uma semana feliz e iluminada!!

Lux Lunae